Platão e Maquiavel são os únicos filósofos a terem seu nome transformado em adjetivo. Enquanto platônico refere-se à algo idealizado (portanto, perfeito), o pejorativo termo maquiavélico remete a algo perverso, ardiloso, traiçoeiro. Fora do contexto o pensamento de Maquiavel torna-se maquiavélico e o de Platão, platônico.
Nicolau Maquiavel (1469-1527), apaixonado pelos assuntos de Estado, é natural da cidade Florença. Sua revolucionária teoria política é fruto de uma meticulosa análise das causas que determinam a prosperidade ou a decadência de grandes impérios antigos e de sua vasta experiência administrativo-burocrática frente aos conflitos econômicos, políticos e sociais que permeavam as cidades/principados, especialmente sua Florença, a rival Pisa, a portentosa Roma e a próspera Veneza.
O Maquiavelianismo explicita a realidade interna do poder político, que é um fenômeno social e recomenda ao “Príncipe”, ao governante, o estabelecimento da supremacia do senso prático (virtù) aliada à boa sorte (fortuna).
Renascentista florentino, na terra dos astrônomos/astrólogos, dos filósofos/magos, revelou-se metafísico. Talvez conhecesse os trânsitos anuais do benéfico planeta Júpiter, sabedor de que ela, a Roda da Fortuna, se altera.
Como Heráclito reconhece que “Tudo Flui”, apontando a transitoriedade do Poder. Cabe então ao homem de virtù, do homem provido de talentos e de um aguçado senso de oportunidade, saber extrair o máximo das ocasiões que lhe são favoráveis, antevendo e precavendo-se contra os infortúnios. O homem de virtù conhecedor atento do Bem e do Mal, corta este último pela raiz, “faz a hora, não espera acontecer”.
A política tem uma ética e uma lógica próprias. Retirando o caráter divino do poder, como que diante de um microscópio, ele observa que os ditames moralizantes podem significar a ruína do governante. Considera haver dois humores bem distintos: o dos ricos (poderosos!) e o dos pobres (o povo). Mantê-los em constante equilíbrio é arte política pois, como Aristóteles, pondera que o melhor Estado é o que tem poucos ricos, poucos pobres e bastantes remediados.
Sua obra é de agradabilíssima leitura. Uma das marcas de seu estilo é o pensamento dilemático: indaga sobre uma questão, discorre sobre as opções e conclui apontando a melhor alternativa.
Até “O Príncipe”, escrito em semanas, dispúnhamos somente de formas idealizadas de organizações políticas e sociais, mas não de um conjunto de técnicas eficazes que constituísse a arte de estabelecer um bom governo que perdure o maior tempo possível.
Estamos nos séculos XV e XVI, com o prenúncio do capitalismo, do insurgir da burguesia, com o início do declínio do poder da igreja, das grandes navegações, do revolucionário heliocentrismo, da defesa do método de investigação empírica. Trata-se notoriamente de uma instável e perturbadora época de transição que afetará o poder político, embora ainda imperassem a tirania e a ilegitimidade que geravam diversas e dramáticas situações de crise.
O caos reinava nos pequenos principados: sem recursos para impor alguma ordem, de se fortalecerem militarmente, impossibilitados de contar com uma coesão política e temerosos que o povo descontente se arme, tornam-se alvo fácil para os condottieri: mercenários, hábeis especialistas militares, que disponibilizam seus préstimos a quem melhor os remunerasse.
Maquiavel sonha com uma Itália unificada, acredita que somente um governante enérgico, astuto e criativo seja capaz de congregar e estabelecer a ordem econômica e sócio-política.
Traços humanos imutáveis tais como a avidez pelo lucro e a volubilidade como a dos os condottieri levarão Maquiavel a afirmar que “a soberania política depende de exército próprio, constituído por soldados leais e convictos de que lutam pela causa da pátria”. No “Discurso Sobre a Preparação Militar Florentina”, afirma que os Estados e governantes dependem de dois itens: justiça e armas. Por justiça entende um conjunto de sólidas instituições mantenedoras da estabilidade e da ordem social, que são as bases sobre as quais podem ser construídas as virtudes cívicas.
Mestre da maldade ou conselheiro que alerta os dominados contra a tirania? Rousseau esclarece que “Maquiavel, fingindo dar lições aos Príncipes, deu grandes lições ao povo”.
Quando a Fortuna, considerada por ele uma mulher, lhe dá às costas, Maquiavel é esquecido pelos novos poderosos da república e, em profundo desgosto, falece aos 58 anos de idade, ocasião de seu segundo regresso de Saturno.
Saiba mais: Maquiavel, N. - “O Príncipe” - Coleção Os Pensadores. Editora Nova Cultural.
Maquiavel, N. - “Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio (Discorsi)”, tradução de Sérgio Bath, Brasília, UnB, 1979 (Nova edição revista, UnB, 3ª ed., 1994).
Valverde, Antonio J. R. - “O problema da Liberdade no Primeiro Livro dos Discorsi, de Maquiavel, Relatório nº 8/1999, S. Paulo, NPP-FGV, 1999.
3 comentários:
Boa Noite Dona Luciene veio através desde email, pedir a senhora uma 'luz" em qual livro encontrarei falando desde assunto: Ética da política e Ética da moral para Maquiavel.
Desde já agradeço se a senhora me ajudar,vi seu texto na internet e gostei muito.
Desde já agradeço a compreensão!
E espero a resposta urgente!
boa noite
Poliane Nardi
Olá, Poliani,
Respondi por e-mail. :-)
abs,
lu.
achava que Maquiavel , fosse só maquiavélico, mas ao inseri-lo no contexto histórico fiquei curioso e vou lê-lo.
Lu(permita a intimidade) você já é responsável por eu ler A divina comédia, Ilíada,odisseia, e ainda o será por eu me tornar um filósofo .
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