Alexandre Cabanel - Pandora
O eterno, a mudança e a esperança no porvir
Amigos leitores, estamos chegando ao final de mais um ciclo.
Novamente, outro se iniciará, num eterno devir (vir a ser, porvir, tornar-se).
A eternidade é uma espécie de presente contínuo; é o que experimentamos agora,
em nossa vida, sempre em mudança. Filosofemos com os exponenciais filósofos pré-socráticos Heráclito, Parmênides e Hesíodo.
Parmênides, nasceu na cidade de Eléia, na Magna Grécia, em
cerca de 540 a.C. Ele legou uma das maiores posições metafísicas radicais
da história do pensamento filosófico ocidental.
Trata-se da primeira grandiosa
formulação do princípio de não-contradição; aquele princípio que afirma a
impossibilidade de os contraditórios coexistirem simultaneamente. Esses dois
supremos contraditórios são o “ser” e o “não-ser”.
Para o Eleata, “O Ser é, e é
impossível que não seja” e também afirma: “O Não-Ser não é e dele não se pode
sequer falar”. Junto a essas duas proposições, há ainda uma terceira: “É o
mesmo o Ser e o Pensar”. O ramo da filosofia que se debruça ao estudo do “Ser
enquanto Ser”, chamamos ontologia.
O Ser, é ingênito e incorruptível. Impossível ter sido gerado
pois se fosse, teria sido derivado do não-ser ou do ser: do não-ser é
impossível, porque o não-ser não é; do ser é também impossível, porque então já
seria e não haveria necessidade de ter sido gerado.
E é também por essas mesmas
razões que é impossível que se corrompa. O “Ser” não tem um passado (porque
nesse caso não seria mais) e tampouco um futuro (porque não seria ainda). O
“Ser” é o que há de imutável no mundo, o (tempo) presente eterno sem início nem
fim. É o “agora”, é o que vivemos.
Já Heráclito, da cidade de Éfeso, contemporâneo de
Parmênides (aquele da afirmação de que não se banha duas vezes no mesmo rio), legou o célebre aforisma de que “Tudo Flui” (Panta Rhei). Tudo muda, o
tempo todo; que tudo se altera é uma certeza que temos.
O Filósofo francês
Marcel Conche afirma: “Que tudo muda, é algo que não muda. Que tudo passa, é
algo que sempre será verdadeiro”. O que não muda é o devir. O que não se altera
é o “Ser” (o tempo presente, o eterno “agora” do Ser de Parmênides).
Tudo passa. Mas é só no presente que nos damos conta dessa
passagem. O passado já era, não é, não existe mais (embora no presente possamos
rememorá-lo).
O futuro é o porvir, ainda nem existe, não passa de uma promessa
de vir a ser, tornar-se. Também, somente no presente possamos ponderar sobre o
futuro; é necessário então, dispor do nosso tempo presente para imaginá-lo.
A eternidade é e, paradoxal e simultaneamente, está em
mudança contínua. É agora e também será em instantes; será um outro “agora”
(não mais enfadonha!), mas o será sempre.
Logo, o que caminha de mãos dadas com a eternidade
parmenidiana é a certeza de mudança heraclitiana.
Ainda anterior aos Filósofos acima, o aedo (poeta) Hesíodo,
em sua obra “Os Trabalhos e os Dias”, narra o mito de Prometeu e Pandora.
O soberano
do Olimpo, Zeus (Júpiter), encolerizado, encomendou ao mestre da technée,
Hefestos (Vulcano), uma mulher belíssima, fascinante, perfeita, com todos os
dons (pan = todos e dora = dons), juntamente com um grande e misterioso vaso
(pithos = jarro) ou caixa, na versão mais corriqueira.
Era para que os homens
fossem castigados em razão de Prometeu ter roubado e lhes entregue o fogo
divino. O ordenador do cosmos era contrário a esta dádiva, sabia que os homens
se julgariam melhores que os deuses e esqueceriam seus deveres para com os
semelhantes.
Prometeu, conhecedor do que que estaria por vir (pro = antes e
metheus = vidente), esquivou-se de tal presente, alertando também seu irmão,
Epimeteu (que só sabe do resultado de uma ação depois de tê-la infringido).
Mas
Epimeteu não resistiu aos encantos da fêmea e acolheu Pandora. Dentre todos os
dons com os quais fora guarnecida, ela contava também com a persuasão, a graça
e a ardilosidade, a imprudência e a curiosidade: fez-se o malefício,
brincadeira de Hermes (Mercúrio).
Após muito resistir, Pandora sucumbe, abre a
caixa e... tarde demais! Espantosa fonte de calamidades, dela escapam todos os
males que assolam a humanidade (peste, guerra, violência, fome e miséria;
também geres, a velhice maldita para o corpo e inveja, despeito e vingança para
o espírito).
Desesperada, Pandora fecha imediatamente a caixa. Lá, só restou... o
porvir.
O porvir, o futuro, o que está para acontecer, benéfico ou
não, foi o que restou na magnética caixa, astutamente enviada por Zeus. E não
poderia ser de outra forma. Ao sair da caixa, o porvir torna-se presente, passa
a ser.
Santo Agostinho, ao esclarecer sobre a eternidade, dizia que
ela era um presente que permanece presente, e que o real é, portanto, a própria
eternidade: o perpétuo hoje de Deus (ou, para os não-religiosos, o perpétuo
hoje do mundo).
Na expectativa, nós é que acalentamos a ESPERANÇA (Élpis) de que, na
cidade dos homens e/ou na cidade de Deus, o porvir seja afortunado.
Feliz e
abençoada nova (eterna) caixa de Pandora para todos nós!
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Saiba mais:
Hesíodo – O Trabalho e os Dias. Trad. Mary de Camargo Neves.
Ed. Iluminuras (1996)
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2 comentários:
Bom dia Dra. Luciene Félix,
Envio-lhe este e-mail para lhe cumprimentar pelo interessante e erudito artigo publicado no jornal "Carta Forense", pg.52, intitulado Parmênides, Heráclito e a Caixa de Pandora - "o eterno, a mudança e a esperança no porvir".
Sou apreciador da história e da cultura greco-romana. Li, certa vez, um bom livro sobre a primeira: The Greeks, escrito por um Professor de Oxford, H. D. F. Kitto, editado pela Ediouro.
A propósito, apenas por mera alusão filológica, Parmênides, Heráclito e Prometeu, fizeram-me lembrar dos gregos atuantes e mencionados no filme do helênico Alexandre - O Grande: Parmenion, Héracles (Hércules, Alcides entre nós) e o próprio Prometeu, referido no curioso diálogo entre Alexandre e Ptolomeu, no Hindu Kush, Cáucaso: a águia que diariamente mutilava o fígado do "vidente semi-deus".
Vi vários documentários sobre o fascinante Alexandre: BBC, National Geografic etc. Porém, tirante o conhecido Plutarco, creio não disponíveis os seus outros dois "biógrafos de primeira-mão": Arriano de Nicomédia (Grego) e Quinto Cúrsio (Romano).
Que época esta para a Grécia, hein?
Demóstenes, o maior orador; Aristóteles, o grande filósofo e cientista, Diógenes, o refinado sábio, e Alexandre, um pouco de cada um deles, além do maior estrategista e guerreiro de todos os tempos!
Estou no começo da Ilíada, a Troiada (Ílion - Tróia). Gosto muito da linguagem homérica...
Já Paidéia, só folheei muito levemente... O que me dizes deste livro?
Espero não ter lhe incomodado muito com estas palavras...
Conheço pouquíssimas pessoas que gostam do assunto...
Aceite minhas cordiais homenagens,
Deus te abençoe.
Luis Dias Fernandes.
Promotor de Justiça-SP.
Luciene,
Fico extremamente feliz com o comentário!
Bom para o jornal, bom para a filósofa e bom para o leitor!
Que maravilha.
Parabéns pelo belo trabalho que vem desenvolvendo.
Abraços,
Paulo Stanich
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