Para distintos tipos de desejos: do Corpo e da Alma, distintos deuses de conquista.
Na mitologia, Ares, associado ao vermelho planeta Marte, é o cruel deus da guerra, da carnificina. Individualista, não titubeia em impor sua caprichosa vontade a quem quer que seja. Colérico e intratável, sob o signo do Fogo de ignição e ação, energia não lhe falta e sua afinidade com a morte, por ser seu maior semeador, é notória. Por razões óbvias, somente o Hades, soberano do Reino dos Mortos, o admira.
Impulsivo, Ares é um deus de caráter epimetéico: primeiro age, depois pensa. Pensar é atividade da mente, do elemento Ar, este sim, distingüe os homens das bestas. Daí a prudente razoabilidade ser tão necessária à evolução do espírito humano.
De gosto pelo desafio da conquista, Ares só se sente bem em pleno massacre pois ama a luta por si mesma, pela alegria feroz de destruir. Seu furor não obedece senão à brutalidade de seu instinto destruidor. Seu emblema é a coragem. Acompanham-no Éris (a Discórdia), que com seu archote em chamas acende o furor no coração dos soldados e seus filhos, Deimos (terror) e Phóbos (medo), também servidores fiéis desse funesto deus.
O espetáculo hediondo da carnificina que tanto horror causa a deusa Athena, nunca foi tão valorizado quanto durante o apogeu de Roma, civilização da qual Ares/Marte foi patrono. Num império erigido sobre a barbárie, ele foi um reverenciado deus. Eram-lhe consagrados os abutres, os lobos agressivos, os galos belicosos e os cães cujo ladrar lembra os bramidos dos combates.
Estimado pelos heróis romanos, não era bem-quisto pelos olímpicos deuses gregos que preteriam-no à sábia, justa e também guerreira Palas Athena, filha da razão do soberano do Olimpo, que sofrera terríveis e dilacerantes dores de cabeça até seu nascimento (enquanto a justiça não se faz, as dores de cabeça são inevitáveis). Como Ares, irá também patrocinar a guerra e nascerá fortemente armada, trajadamente pronta para ela. Mas trata-se da guerra feita com inteligência e motivada por um ideal honroso, guerra somente enquanto último recurso, quando torna-se insuficiente à lúcida resolução diplomática e pacífica de qualquer polêmica. Uma batalha também pode ser encarada como última e importante argumentação na defesa da justiça quando todas as outras falharam. Diz-se que suas primeiras palavras ao nascer fora: “a Compaixão é a parte mais bela da Sabedoria”.
Fruto de Métis, a Prudência, a mais astuta das deusas, filha poderosa de um pai onipotente, Zeus, eis Palas Athena: atenta coruja, símbolo da sabedoria, cujo pescoço gira 360°, de olhos luminosos que, como seu pai, enxergam o “todo”; um elmo de ouro cintila em sua cabeça; em sua mão, uma lança resplandescente; seu poderoso escudo de bronze brilha e reluz como um espelho (ela emprestou-o ao herói Perseu que trouxe-lhe de presente a cabeça da rainha das Górgonas). Incrustada no peito de sua armadura, a égide, Medusa possui serpentes em lugar dos cabelos e petrifica qualquer um que a fite diretamente em seus olhos ou reivindique justiça por colérica ira oriunda de uma vaidade pessoal.
Desde os primórdios a figura da serpente é associada a maléfica vaidade do espírito. Os antigos gregos carregavam a cabeça da Medusa, o “gorgonae” no peito a fim de afastar o mal. No cristianismo temos a ardilosidade do réptil sobre Adão e Eva incidindo sobre nosso destino e a Mãe de Deus, Nossa Senhora, é retratada tanto em imagens quanto no Livro do Apocalipse, esmagando uma cobra com seus pés. Na obra “O Leopardo” de Lampedusa, o príncipe de Salinas arremata a toilette prendendo em sua gravata de cetim negro, um broche com a cabeça da Medusa com dois flamejantes olhos de rubis.
Sempre às turras com seu inimigo Ares, pois nem sempre encontram-se do mesmo lado na batalha, Palas (a donzela) será a única mulher a imiscuir-se aos homens, sendo sempre respeitada por eles. Antes do começo da batalha, eles sentem sua presença inspiradora e com isso anseiam mostrar seu heroísmo. Segundo Walter Otto: “sacudindo a terrível égide, a deusa brada e corre veloz entre as fileiras convocadas à batalha. Um momento atrás, esses homens haviam aplaudido com júbilo a idéia de voltar para sua pátria; agora a esquecem por completo: o espírito da deusa faz agitar-se todos os corações com ardor bélico”. Renomados heróis como Tideu, Hércules, Ulisses e Aquiles dobram-se aos seus sábios conselhos.
Quanto ao herói Tideu, Athena foi sua fiel companheira de batalha, até quis torná-lo imortal. Aproximou-se do herói ferido de morte trazendo na mão a bebida da imortalidade. Mas ele estava a ponto de fender violentamente o crânio do adversário morto para chupar-lhe o cérebro. Horrorizada, a deusa retrocedeu e o protegido para quem ela cogitava o mais elevado destino mergulhou na morte comum, pois tinha desonrado a si mesmo. “Athena seria mulher porque os orgulhosos heróis que se deixaram conduzir por ela não se submeteriam tão facilmente a um varão, mesmo que fosse um deus”. Quando em fúria cega Aquiles está prestes a liquidar Agamêmnon, Athena toca seu ombro e o aconselha a dominar-se, contentando-se em ofender o Atrida somente com palavras. O herói prontamente guarda a espada já desembainhada.
Sábias leituras fez o homem ao observar a ordem, Kosmós, inscrita na abóbada celeste. Como afirmado por Heráclito; “A guerra é Pai de todas as coisas”. A “mãe” pode ser o desejo pois na observação da rota dos astros Marte (Ares) parte em busca do que Vênus (Afrodite) decide dar valor.
Desde a antigüidade, o planeta Vênus, a famosa estrela d'Álva, esplendorosamente visível à olho nu aqui da terra, desponta no céu em duas apresentações bem distintas: a vênus matutina (denominada Afrodite Urânia, desejo da alma em alcançar prazeres celestiais) e a vênus vespertina (denominada Afrodite Pandêmia, desejo do corpo aos prazeres terrenos).
Somente a deusa do eterno milagre amoroso pode brindar a paz interior e exterior. A violência só pode ser aplacada pelo amor. Mas eis que a distinção entre dois tipos de desejos, da matéria e do espírito acarretará igualmente em distintos patronos de conquista: Ares e Athena.
Em sua dupla apresentação Afrodite (Pandêmia/Urânia) nasce do esperma do órgão genital de Urano (Ouranós) ceifado por Chronos: o Céu é seu Pai. A deusa da atração é das mais antigas e reina sobre o coração de todos os homens, pois o que é belo inspira o amor. Afrodite, pelos sublimes desejos com que nos inflama pode, à sua vontade, fazer nascer em nós o amor, trazer-nos felicidade ou nos fazer experimentar males intoleráveis.
Elegendo por sua “vênus”, a Afrodite Pandêmia, pois é nos braços sedutores desta que o viril guerreiro Ares se deleita e se refaz, é sempre cego seu desejo de impor a vontade pessoal desconsiderando a instância imortal do amor celestial: é o desejo cego e caprichoso que acarretará na guerra pela guerra. Poderosa, o feitiço desta vênus exerce uma força que faz esquecer todos os deveres, rompendo os mais honrados laços de fidelidade, levando a decisões que, mais tarde parecem inconcebíveis ao próprio enfeitiçado.
Por sintonizar-se com Afrodite Urânia/Celestial, Athena luta pela supremacia da lúcida clareza mental acima da instintiva libido física. Sempre haverá o embate: Ares x Palas Athena. Mas à donzela do lógos é sempre destinada a companhia de Níke (a Vitória).
Astrologicamente, encabeçando a roda zodiacal, Áries (Fogo de Ação), que possui a dádiva da coragem, ao dirigir aos céus toda sua impetuosa e potente energia, faz com que a balança da justiça (Libra, seu oposto/complementar) se equilibre e Athena experimenta a paz.
Saiba mais: Walter Friedrich Otto – Os Deuses da Grécia – Ed. Odysseus, 2005 – São Paulo, SP.
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