Gisele Bündchen declara ter tido cinco parceiros sexuais (Vogue); Malu Mader afirma ter “dado” pouco (Marie Claire); Luíza Brunet revela um aborto aos dezesseis anos (Contigo); a Rede Globo escandaliza ao inserir na novela das 8 o depoimento de uma idosa relatando seu primeiro orgasmo.
Protágoras nos alerta sobre a subjetividade da verdade ao nos legar a máxima de que “o homem é a medida de todas as coisas, das que são porque são e das que não são porque não são”. Como já fundamentamos a relatividade da verdade no artigo anterior, analisaremos agora o poder que o discurso em voga exerce sobre o sujeito.
Palavra é um poder que se estabelece através da produção do discurso e, como o homem, está em constante mudança. Submete-o ininterruptamente à produção de novos discursos e novas verdades, modificáveis e em perpétuo deslocamento.
O sujeito altera seu ethos, modo de ser e de agir, conforme o discurso vigente. O poder nos interroga, registra e institucionaliza a busca pela verdade. Profissionaliza-a e a recompensa.
Aquilo que faz com que um corpo, gestos, comportamentos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos do poder do discurso. O sujeito não é “o outro” do poder, ele é um dos primeiros efeitos e centro de transmissão do poder pois este só funciona em cadeia, só se exerce em rede. De modo que seus valores e sua identidade são produzidos pelo discurso no qual ele está inserido.
O pensador francês Michel Foucault (1926-1984) investiga sobre que tipo de poder é capaz de produzir discursos de verdade dotados de efeitos tão poderosos. Produzir verdade é então uma necessidade imperativa do poder. E “O que é o poder?” Para Foucault: “um jogo de forças, portanto reversível”. Como o discurso nunca é o mesmo, o poder é anônimo, é “legião”.
Afirma que em qualquer sociedade existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social. Estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer, nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, enfim, um funcionamento do discurso.
No século XIX, a moral vitoriana imperava, era o auge da repressão sexual. O sexo era tema tabu e ato proibido fora das normas pré estabelecidas pela sociedade vigente. Desde que o Pai da Psicanálise, Sigmund Freud (1856-1938) libertou o discurso sobre o tema proibido, a pressão sobre a explicitação da intimidade do indivíduo vem sendo desenfreadamente exercida de modo inverso: ele se vê constantemente incitado e até mesmo coagido a falar detalhes de sua vida íntima e de seus hábitos sexuais não mais somente ao padre, ao psicanalista ou ao médico, mas de forma mais avassaladora na mídia. E a mídia é hoje a instituição de poder que mais formata o corpo, a sexualidade e a individualidade.
É ordinário que tanto pessoas famosas, as eleitas “celebridades”, quanto as anônimas escancarem detalhes de sua intimidade em rádios, jornais, revistas, televisão, internet, orkut, msn etc. Discorre-se naturalmente sobre o número de parceiros, tipologias orgásticas, abortos, fantasias e preferências sexuais entre outros.
O poder do discurso subjaz em mecanismos infinitesimais, quase que imperceptíveis e penetra o mais fundo possível no sujeito que sequer se dá conta da imposição deste dispositivo anônimo de normatização. É a norma; é normal. É este mecanismo que as faz revelar publicamente suas intimidades. São os mesmos meios de poder sobre a palavra da reprimida sociedade vitoriana que, agora diametralmente oposta, impõe a obrigação de falar de sexo.
Estamos submetidos a este poder midiático, também no sentido em que ele é lei e produz o discurso que decide, transmite e reproduz os efeitos de “verdade”. Somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar papéis e destinados a um determinado modo de viver, de desfrutar a sexualidade e de morrer em função dos discursos que trazem consigo efeitos específicos do poder. Expôr o indivíduo, explicitar e banalizar sua intimidade: são as palavras de ordem na atual Idade Mídia.
PS.: Os exemplos citados no início do texto não estão para corroborar julgamento de conduta no sentido de “certo/errado”, mas de moral em seu sentido original: Mores (do latim) = Costumes.
Saiba mais: Michel Foucault – A ordem do Discurso. Edições Loyola.Michel Foucault – Microfísica do Poder. Ed. GraalSalma Tannus Muchail – Simplesmente Foucault. Edições Loyola.
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