Na obra do francês Victor Hugo, “O último dia de um condenado” (1829),
vivenciamos as angústias de um condenado à morte (Clique AQUI).
Agora, trazemos “Os sete
enforcados”, a mais impressionante novela do jurista e escritor russo Leonid
Andreiev (1871-1919), que explicita a psique de sete pessoas sentenciadas
ao enforcamento.
As coisas nos acontecem, mas
também “acontecemos” às coisas, portanto, é digno de nota que, mesmo tendo
recebido a mesmíssima pena capital, cada um dos personagens encarará a iminência
do fim de suas existências de modo distinto, o que nos permite refletir de
outro modo quais podem ser as finalidades ou quais podem ser os efeitos de uma
pena.
São cinco homens e duas mulheres.
Dois desses homens recebem a pena de morte por terem praticado homicídio; já os
demais pelo planejamento de, num ato terrorista, matar um Ministro.
O rude camponês Ivan Ianson e o não menos tosco,
Michail Golubetz, o Michka, também
conhecido como “O cigano”, ambos condenados por assassinato, distinguem-se dos
terroristas.
Alcoólatra, Ivan Ianson, que
matou o patrão e tentou estuprar a patroa, parece não ter a menor noção do
alcance de seus crimes, tampouco da pena. Simplório de tudo, o que faz é
mover-se com a lentidão de uma lesma e repetir, cabisbaixo, o tempo todo: “Não deveis enforcar-me.”. Alheio, ele
simplesmente se recusa a acreditar no inevitável: que será enforcado!
Já Michka, o cigano, que até se
orgulhava de seus crimes: “saque a mão
armada, seguido do assassínio de três pessoas”, considera sua sentença
justa, justíssima. Com inescrupulosa altivez, proclamava; “Nós, os de Orel, somos todos de ‘cabeça quente’... Somos os pais de
todos os ladrões do mundo! Isso nem se discute!”.
Devido ao seu instinto maternal
nato, durante toda vida, a jovem Tânia
Kovaltchuk só pensava e fazia tudo pelos outros. A comoção pelo sofrimento
dos companheiros eclipsava a consciência de seu terrível destino. Esse genuíno
altruísmo fazia-a esquecer-se de que também fora condenada, de que, em breve,
também deixaria de existir.
Sofria ao lembrar que um dos comparsas
estava sem tabaco e, que o outro, talvez não conseguisse o chá forte de que
tanto gostava: “(...) a ideia de que um
homem não pudesse fumar, na vigília da sua morte, era para ela
insuportavelmente penosa”. Sua preocupação era dar alento aos colegas,
pensava neles, o tempo todo: “Como seria
acolhido, nas outras celas, aquele obstinado e doloroso apelo da morte?”,
indagava.
Já a outra moça do grupo, Mússia, sentia-se feliz: “(...) procurava emocionada justificar
diante de si mesma como exatamente a ela, tão moça ainda, tão humilde, que
fizera tão pouco, fora designada a morte mais bela, a que podia ser considerada
como um privilégio dos mártires”. Questionava o merecimento dessa
“distinção”, que cegamente tomou para si.
Sua fé nessa perspectiva era tão, mas
tão enraizada, que “(...) o seu único
desejo é o de explicar, de provar que não é uma heroína, que morrer não é uma
coisa terrível, que não deve ser lamentada, que ninguém se deve afligir por
ela.”. Eis aqui, mais um vislumbre do quão forte é o que cremos, seja lá no
que for.
Absorta em sua confusão,
pergunta: “É possível, é possível que eu
mereça que me lamentem? E um júbilo indizível invade-lhe a alma. Já não há
dúvida! Eleita! Eleita entre todos! Tem direito a figurar entre os heróis que,
de todos os países, de século em século, voam para as alturas do céu através
das chamas, das execuções capitais. Que serena paz! Que infinita felicidade!
Tem a impressão de livrar-se, imaterial numa luz divina.”.
Mússia experimentava essa
sensação única e filosofava: “Como não
existe imortalidade, quando ela [Mússia]
já era imortal? De que outra imortalidade, de que outra morte se poderia falar,
quando ela já está morta e igualmente imortal, viva dentro da morte, como se
fosse viva dentro da vida?”.
Estava tão convicta que, em seus
devaneios afirmava: “Podem-me enforcar,
mas não morrerei. Como posso morrer, quando já sou imortal?”. Por fim,
dormia tranquila, diz o narrador, sorrindo em sua imortalidade.
O também condenado à forca, Sérgio Golovin, fora dotado de
serenidade na alegria de viver, “em
virtude da qual todos os pensamentos maus ou funestos para a vida desaparecem
com rapidez e deixam incólume o organismo.”. Seu apetite manteve-se voraz e
ingeria, além da sua parte, também a dos companheiros, já avessos aos
alimentos.
Entristecendo-se pelo plano ter
sido mal combinado, disse consigo mesmo: “Agora
há uma coisa que é preciso fazer bem, é morrer.”. E recobrou a alegria.
Sim, a alegria, pois era assim que se dedicava diariamente à ginástica, para
manter o corpo forte e robusto.
Com o tempo, caiu em si e
ponderou: “Para que o corpo morra mais
facilmente é preciso debilitá-lo e não fortalecê-lo.”. Questionando-se se
temia mesmo a morte, concluiu: “O que
sinto é perder a vida. É uma coisa admirável, digam o que quiserem todos os
pessimistas.”.
E Sérgio Golovin padecia: “A morte ainda não estava ali e a vida já
parecia ausente (...) sofria, não por ver a morte, mas por ver a vida e a morte
ao mesmo tempo.”. Repetia para si que era preciso conformar-se. E ponto.
Apavorado, Vassili Kaschirin “(...)
terminava a sua vida na angústia e no terror.”. Quando o medo tornou-se
insuportável, tentou rezar; mas, sentindo amargo rancor pelos preceitos
religiosos alimentados na casa do pai, não tinha fé.
Em sua infância, certa vez,
ouvira três palavras que o impressionaram, que guardou e às quais se fiou o
tempo todo: “Consolo dos aflitos!”. Murmurava
essas três palavras e sentia-se imediatamente aliviado. Temendo cada vez mais,
o mistério insondável da morte que se aproximava, repetia em tom suplicante: “Consolo de todos os aflitos, desce até mim,
sustém-me.”. Aos poucos, a loucura se infiltrava.
Werner falava alemão, francês e inglês, vestia-se bem e tinha
excelentes maneiras: “De todos os
terroristas, era o único que podia aparecer em sociedade sem risco de se
denunciar.”. Diz-se que também tinha uma qualidade muito rara: ignorava o
medo. “Não conhecia o terror, como há
quem nunca tenha conhecido uma dor de cabeça.”
Decidiu receber a morte com
calma, viver até o fim como se nada tivesse acontecido ou fosse acontecer: “Só assim poderia demonstrar o seu profundo
desprezo pelo suplício e conservar a sua liberdade de espírito.”.
Surpreendeu a todos, no entanto, dizendo
que os amava: “Sim, agora amo! Não é
preciso dizer a ninguém, que eu tenho vergonha, mas amo apaixonadamente meus
irmãos!”.
Aos pares, foram enforcados. E,
depois, “O sol surgiu lá em cima, sobre o
mar.”.
Após os carrascos deitarem os
cadáveres nos caixões, todos “(...)
voltaram pelo mesmo caminho que pouco antes tinham trilhado com vida.”.
A pena e a morte são o que são.
Enquanto que nós, somos isso, aquilo... Tudo. E nada.
Luciene
Felix Lamy
Professora de Filosofia e Mitologia
Greco-romana na
Galleria Borghese, Roma
5 comentários:
Querida Luciene , através do blog da Consuelo, você
me despertou o interesse por este livro, Os 7 Enforcados.
Já estou quase no final do livro e confirmo o
que você diz sobre a inutilidade da pena de morte.
Foi muito interessante a atenção que você me despertou
porque além da boa leitura nestes dias de Carnaval, dês
cobri a utilidade do livro digital. No blog comentei que teria que encomendar o livro mas depois pesquisando
pude comprar e baixar no Ipad! As facilidades do Mundo
Atual as vezes há uma demora para assimilar!
Beijos
Ceres
Simplesmente fabuloso...!!!
Um longo e forte abraço!
MaVi
Simplesmente fabuloso...!!!
Um forte abraco!
MaVi
Que felicidade tê-la aqui, amiga!
Perdoe pela morosidade em respondê-la: recebi visitas durante todo carnaval e emendei noutro trabalho.
Fico felix da vida que tenha apreciado a obra! As cenas dois únicos prisioneiros que receberam visita de despedida dos pais é algo profundo, tocante demais...
Ah, então agora está + fácil (adquirir e acessar a obra instantaneamente), que tudo! \o/
Quando puder, confira os demais textos daqui (especialmente "A Morte de Ivan Ilitch" de Tolstói e "O último dia de um condenado", de Victor Hugo).
Beijos,
lu.
Grande texto! Adrianne
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