“Os poderosos, os mesquinhos, os interesseiros, cultivam a
ignorância para se manterem no poder e obter lucros e vantagens”. Henrik Ibsen
Por quanto tempo ainda, esse
clássico magistral, de 1882, permanecerá tão atual?
Prosseguindo com o artigo
anterior, os editores do jornal A Voz do
Povo, concluem que o artigo-denúncia do médico, Dr. Stockmann é arrasador e
animam-se, crendo que o jornal dedicará grandes espaços para mostrar a
incapacidade administrativa do prefeito: “Sim, mas essa gente não se derruba no
primeiro golpe...”.
Para o doutor, agora não é só pelo
esgoto, mas é toda sociedade que é preciso limpar, desinfetar: “(...) vejo que
só os jovens poderão realizar o sonho de uma vida melhor”, e se entusiasma: “Basta
que nos conservemos unidos.”.
Depois que sai da redação, os
editores conversam que a educação cívica e a consciência dos cidadãos é
importante, mas ponderam que quando um homem tem bens, o importante é
protegê-los, e não meter-se em questões políticas.
O prefeito adentra
sorrateiramente à redação, pela porta dos fundos. Apela à sensatez do Editor
para que não publique a denúncia do médico, dizendo que ele tem certa
influência.
Esse confirma que sim, mas que é somente sobre os pequenos
contribuintes, nada mais. E o prefeito: “Os pequenos contribuintes, a classe
média, aqui como em toda parte, são os mais numerosos, os que decidem”.
Salienta ainda que quem pagará
por esses gastos será a cidade, que a Estação Balneária ficaria por fechada
pelo período mínimo de dois anos, que isso acabará com o turismo. O editor se
preocupa: “E de que viveremos durante esse tempo, nós os proprietários?”.
O prefeito o tranquiliza dizendo
que redigiu uma breve exposição sobre o caso, onde indica, as obras que são
possíveis realizarem sem ultrapassar os recursos dos cofres.
Ao perceber que o Dr. Stockmann também
chega à redação, o prefeito se esconde.
Antes exultante por ter a seu
favor, a opinião pública, ao perceber o boné e a bengala do prefeito sobre a
mesa, compreende que já não pode contar com a imprensa. O dono do jornal
declinara.
O médico se exalta: “Só quero que
publiquem meu artigo e eu vou mostrar como se defende uma ideia quando se tem a
convicção de que se está certo”.
Ao ouvir a negativa, pergunta se
não é ele que manda no jornal: “Não, senhor doutor, são os assinantes”. O
prefeito surge e emenda: “Felizmente.”.
O diretor do jornal argumenta: “É
a opinião pública, doutor. As pessoas esclarecidas, os proprietários de casas,
a classe média, são eles que dirigem os jornais.”.
Asseguraram ao prefeito que o
dele, sim, será publicado. O médico se dispõe a pagar pela impressão do seu,
mas o editor afirma que não irá contra a opinião pública.
O Dr, Stockmann, então, tem a
ideia de convocar uma assembleia popular. Para presidi-la, o prefeito indica o
presidente da Associação dos Pequenos Proprietários de Imóveis, Sr. Aslaksen.
O prefeito pede a palavra: “(...)
a meu juízo, nenhum dos cidadãos aqui presentes deseja que circulem boatos,
rumores tendenciosos sobre a situação sanitária da Estação Balneária e da
população”.
Inúmeras vozes o corroboram:
“Não, não, não! Nada disso! Protestamos!”.
E prossegue: “Em vista disso,
proponho que a assembleia não autorize o médico da Estação Balneária a ler o
seu relatório (...) pode-se verificar que (...) tende, no fundo, a impor aos
contribuintes um gasto inútil”.
O diretor do jornal toma a
palavra e reitera que o doutor pretende que se promovam mudanças na estrutura
de poder da cidade, que suas ideias custariam dinheiro aos cidadãos e que, por
isso, é contra. É aplaudido.
Afirma que o jornal sempre
defendeu as ideias progressistas e democráticas: “não é dever do jornalista
estar sempre de acordo com a vontade do leitor? Não recebeu ele uma espécie de
mandato tácito que o obriga a combater sem tréguas, para o bem daqueles cuja
opinião representa?”.
Chocado, o médico confessa uma
descoberta de muito mais alcance do que o envenenamento das águas: “Descobri
que todas as fontes morais estão envenenadas e que toda a nossa sociedade
repousa sobre o solo da mentira (...) vi a colossal estupidez das nossas
autoridades...”.
Insiste que o assusta a enorme
irresponsabilidade das pessoas que detêm o poder na comunidade, que tudo o que sabem
fazer é destruir. O inimigo mais perigoso da verdade e da liberdade entre nós,
diz ele, é a enorme e silenciosa maioria dos concidadãos que o priva da
liberdade e o impede de dizer a verdade.
O público contesta: “A maioria
sempre tem razão!”.
Contesta a pseudo-verdade de que a
voz do povo é a voz da razão, perguntando que sentido tem as verdades
proclamadas pela massa, que é manobrada pela mídia e pelos poderosos: “É a
unanimidade, a massa – enfim, essa satânica e compacta maioria –, é ela, quem
envenena as fontes de nossa vida e empesta o solo em que nos movemos”.
Vocifera que a doutrina segundo a
qual a massa, a multidão constitui-se a essência do povo é perversa, pois atribui
ao homem vulgar e ignorante, que representa as mazelas sociais, os mesmos
direitos dos seres distintos que compõem uma elite intelectual.
Vozes protestam: “(...) Vamos por
no olho da rua este sujeito que diz estes absurdos contra o povo.”.
Resoluto, o médico denuncia que a
imprensa manipula o pensamento da população para ter vantagens. “Somos, sim,
somos animais! (...), entre nós, há poucos animais de raça. Ah! Existe uma
distância terrível entre o homem “de raça” e o homem “vira-lata”. E isso não tem nada a ver com classe social.”.
Esclarece que para se encontrar a
plebe de que fala não se deve procurar somente nas classes mais baixas, mas
principalmente nas classes sociais privilegiadas que também acolhe sua cota de
plebeus “(...) enquanto um homem não tiver eliminado o que há de vulgar para
atingir a verdadeira distinção espiritual.”.
Aponta para o prefeito: “Ele é um
plebeu! Aqueles que obedecem e pensam
somente pelas cabeças dos outros sempre serão plebeus morais! (...) Somente
o pensamento livre, as ideias novas, a capacidade de um pensar diferente do
outro, o contraditório, podem contribuir para o progresso material e moral da
população”.
Atesta que verdadeiro grande mal é a pobreza,
são as miseráveis condições de vida que esmagam muitas pessoas: “(...) Todos
aqueles que vivem de mentiras devem ser exterminados como ervas daninhas!”.
Infectam todo o país: “E se todo o país ficar infectado com este
nível de corrupção merecerá ser reduzido ao nada junto com seu povo!”. Um
homem de bem não deve encobrir imundícies. É por isso que o idealista se
manifesta.