Nesta última peça teatral legada por William Shakespeare, antes de morrer
aos 52 anos, encontramos o magistral dramaturgo em paz, arrematando
sua vida com a compreensão da importância do perdão, de relevar as
intrigas, a ambição e a ganância.
Ponderando sobre o homem e a vida sob uma perspectiva mais ampla, o
inglês também deixa claro sua paixão por livros, pela dedicação
ao estudo das ciências ditas “herméticas”, o quanto preza uma
vida de introspecção e, a conclusão a que chega torna-se uma de
suas célebres frases.
Retomemos, então, às aventuras do duque de Milão chamado Próspero
e sua filha Miranda, exilados numa ilha após traição de Antonio,
irmão do nobre, que lhe usurpou o posto e depois os expulsou numa
precária embarcação.
No artigo anterior AQUI, vimos que a tentativa perversa do ambicioso
Antonio, em atrair Sebastião a também tomar o trono de seu irmão,
Alonso, rei de Nápoles, foi frustrada pela providencial intervenção
de Ariel, que o denuncia a Gonzalo, conselheiro do rei.
Alheio à razão da tempestade e do naufrágio que reuniu a todos
naquela ilha, Ferdinando, filho e príncipe herdeiro de Alonso,
apaixona-se perdidamente pela bela e delicada filha de Próspero,
Miranda.
Mesmo em festa pelo amor suscitado no coração dos jovens, o duque
de Milão pensa que é preciso deixar um pouco mais difícil a
conquista: “(…) para que a vitória fácil demais não desmereça
o preço”, conclui.
Entretanto, assim como o apego à vingança, o amor também move a
vontade, fonte inesgotável de forças e quando Próspero impõe
tarefas a Ferdinando, o jovem pondera que muitos trabalhos
considerados aviltantes são levados a cabo com nobreza: “Esta
tarefa humilde poderia ser-me tão repugnante quanto odiosa; mas a
dama a quem sirvo (...) em prazer me transforma estas canseiras. (…)
quanto menos penso na situação, mais produtiva se me torna a
tarefa”.
Testemunhando o árduo empenho do amado, Miranda lamenta que ele
tenha que carregar lenha e se dispõe a ajudar, mas o príncipe
intervém: “Não, preciosa criatura; preferiria quebrar o dorso,
arrebentar os nervos, a vos ver degradada num serviço tão
humilhante, enquanto eu fico ocioso”.
E, encantado, corteja a moça: “Tão perfeita e incomparável,
fosses feita de tudo o que de mais custoso pode haver na criação”.
Correspondendo a esse amor, ruborizada, ela confessa: “(…) quanto
mais tenta esconder-se minha afeição, maior se patenteia. Santa
inocência, ensina-me a expressar-me”.
É com o coração exultante que Próspero entrega a mão de sua
filha a Ferdinando, mas roga que aguardem ser celebradas as santas
cerimônias e seus ritos sagrados, ao que o noivo promete: “Os mais
poderosos argumentos dos gênios da maldade que em nós próprios
habitam, nunca me há de mudar a honra em luxúria”.
Cônscio do poder das ebulições hormonais, Próspero alerta que “os
mais fortes juramentos são fogo de palha para os sentidos”. Esse
confronto é eterno: os valores morais versus os apelos da
carne.
O fiel ajudante de Próspero, Ariel, seguira à risca sua orientação
de deixar a todos os náufragos do grupo fora do juízo. Mas agora, o
nobre pondera.
Declinando de suas intenções, Próspero ordena a Ariel que os
liberte, pois irá romper os encantamentos para que seus inimigos
possam restituir o juízo e voltar a ser o que eram.
E, diante de Antonio, afirmando que não pode dar a ele o nome de
irmão sem que se suje, decide: “E vós aí, meu sangue e minha
carne, meu irmão, que à ambição deste acolhida, expulsando o
remorso e a natureza (…) planejastes assassinar aqui vosso monarca.
Embora sejas um desnaturado, recebe o meu perdão”.
Quando Alonso, o rei de Nápoles, se depara com o filho que
acreditava ter morrido no naufrágio causado pela tempestade, ouve
dele o alento: “Muito embora ameacem sempre, os mares são
piedosos. Amaldiçoei-os sem razão para isso”. A alegria toma
conta de todos.
Alonso, o rei de Nápoles apressa-se a dizer a Próspero: “(…)
Resigno o teu ducado e te conjuro a me perdoar as faltas.”
Ao constatar que o príncipe Ferdinando, seu futuro genro, está
espantado com tudo o que acabara de testemunhar, Próspero elucida:
“Como vos preveni, eram espíritos todos esses atores;
dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. E tal como o grosseiro
substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os
palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso,
com tudo o que contém, hão de sumir-se, como se deu com essa visão
tênue, sem deixarem vestígios. Somos feitos da matéria dos
sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono.”.
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