“(...) se todos tivessem memória sobre os acontecimentos do passado, o conhecimento do presente, e a vidência do futuro, o poder do discurso não seria tão relevante”. Górgias
O brilhante e respeitável cidadão Górgias de Leontinos (485-375 a.C.) é considerado por Platão, criador e personificação da arte da retórica. Eminente sofista (sábio), insistia em ser chamado apenas de retórico. Certamente o mais hábil Mestre nessa "arte", vide seu famoso "Elogio a Helena".
Rhetor é o que profere e quem fala age, é sujeito de ação. Segundo Werner Jaeger (Paidéia – a Formação do Homem Grego), é o nome para designar o estadista que num regime democrático precisa, sobretudo, ser orador. E na Grécia de sua época, praticamente sinônimo, ser cidadão era exercer a política.
No discurso sobre a arte da retórica intitulado “Górgias”, Sócrates dialogará com este oponente de peso, seu pupilo Polo e o Estadista Calicles.
Dentre sérios apontamentos, lamentará que não se ensine a virtude (a Ética – Ethos = hábito, daí habitat) política “por não existirem especialistas dela que fizessem profissão do seu conhecimento” e explica porque o Estado deve ser governado por um educador moral.
Dentre sérios apontamentos, lamentará que não se ensine a virtude (a Ética – Ethos = hábito, daí habitat) política “por não existirem especialistas dela que fizessem profissão do seu conhecimento” e explica porque o Estado deve ser governado por um educador moral.
Certamente, o sujeito que age (que fala e tem o poder de persuadir e decidir por muitos), deveria perseguir ilibada conduta moral, que é a ética na vida privada. Caráter conferia valor, por isso as imagens cunhadas das moedas atenienses. E moral se trazia de casa: note-se que a palavra "moral" em grego é escrita apenas acrescentando-se a letra "h" (eta) antes de casa (oikós).
Sócrates começa desvendando a essência da retórica: “é a capacidade de sugerir aos ouvintes uma mera aparência de certeza e de sugestionar a massa ignorante, com o encanto daquela aparência sedutora, em vez de convencê-la pela verdade”.
Górgias diz que é “uma prova da grandeza da sua arte que ela erga a simples força da palavra à posição de instância decisiva no mais importante de todos os campos da vida, o da política”. Mas disso não temos dúvida.
O discurso adequado confere poder a quem o profere. O poder, sobretudo nos domínios político-econômicos é o objeto desta arte. E Sócrates anseia por fazer ver o perigo do abuso deste poder.
Ligeiros, seus oponentes indagam: se um atleta usar sua força física para estrangular pai e mãe, quem poderá culpar seu treinador? Pressupomos que tanto mestres (treinadores) quanto discípulos (atletas) saibam o que é bom e justo.
Para a retórica são indiferentes as questões morais, daí sua má fama. Um Rhetor do calibre de um Górgias é capaz de (não diria inocentar) justificar até um monstro como Roger Abdelmassih, confirme como maneja com maestria esse seu "brinquedo" (o brincar tem significativa conotação no mundo antigo) em "Elogio a Helena".
Para a retórica são indiferentes as questões morais, daí sua má fama. Um Rhetor do calibre de um Górgias é capaz de (não diria inocentar) justificar até um monstro como Roger Abdelmassih, confirme como maneja com maestria esse seu "brinquedo" (o brincar tem significativa conotação no mundo antigo) em "Elogio a Helena".
A máscara cai quando a retórica se arvora a instrumento de techné (habilidade, saber, aptidão, prática, especialidade, técnica) como "arte". A isso Sócrates refuta, pois a verdadeira techné, como sendo "arte" implica Areté (excelência).
O estadista Calicles declara o direito do mais forte como moral suprema, afinal, assim é a natureza. E esses antigos "ouviam" a "lei" da natureza. Metafísico, Sócrates apresenta a retórica política como “a imagem ilusória de uma verdadeira [techné] arte, que por sua vez faz parte da verdadeira arte do Estado”.
Ele diz que a vida do Homem divide-se em vida da alma e vida do corpo e cada uma dessas instâncias requer uma arte (techné) a velar por elas. O cuidado da alma cabe ao Estado (pólis/política) e o cuidado do corpo cabe à ginástica.
Obviamente pode haver a alma sadia e a doente; E pode existir também o corpo, saudável ou enfermo.
O ramo da política que vela pela alma sã é a legislação: “enquanto a alma enferma reclama os cuidados da administração prática da justiça”, vide as penas judiciais.
Igualmente, da manutenção do corpo apto, se encarrega a ginástica e a cuidar do corpo doente, está a Medicina.
Sócrates afirma que estas quatro artes [legislação, justiça, ginástica e Medicina] encaminham-se para a consecução do melhor e para a conservação da alma e do corpo.
A cada uma dessas variantes, ele faz corresponder quatro imagens ilusórias a embotar o Homem:
1) à legislação, a sofística;
2) à justiça, a retórica;
3) à ginástica, à “arte” da perfumaria (cirurgias plásticas, botox, etc.) e,
4) à Medicina, a “arte” culinária (chás e canjas de galinha?)
Estas variantes, segundo ele, não tem como télos (objetivo, propósito) a consecução do melhor no Homem, mas aspiram somente a lhe agradar. Está demarcado o lugar da retórica: para a alma humana é o equivalente à arte culinária para o corpo, não constitui verdadeira techné.
Toda techné tende para o melhor, indicando a sua relação em ordem a um valor e, em última instância, ao mais alto de todos os valores: o Bem.
A arte da retórica é de grande influência na política porque: “A ânsia de poder é uma tendência enraizada fundo demais na natureza humana. Mas, se o poder é uma coisa grande, terá de se reconhecer que a força que nos ajuda a obtê-lo tem suma importância também”.
No estado de natureza, o Homem obtém o poder pela força. É a lei do mais forte a subjugar o mais fraco. Héracles (Hércules) se apropria dos bois de Gerião: “os bens dos fracos são por natureza presa do forte”.
No Estado governado pelos mestres da retórica, fortes são aqueles cujo discurso comove e convence. Se não forem éticos, deixar-se-ão pautar pelo mesmíssimo princípio que rege o enlameado em estado de natureza: injustamente (do ponto de vista lógico), vence o mais forte.
Será tido como ‘natural’ que, com o aval do Estado (políticos), as manobras econômicas, com suas vantagens sedutoras, ocultando perigos, escravizem injustamente a grande massa de geriões.
A arte da persuasão como instrumento da vontade de poder, movida pela cobiça e falta de escrúpulos só pode ser enfrentada por uma Paidéia (educação) acalentada no seio do próprio Estado. Sócrates opõe a filosofia da educação à filosofia da força.
Enxergava nessa Paidéia o critério da felicidade humana, contida na kalokagathia (amor belo) do justo.
O conceito que Calicles tem da natureza do Homem, e que serve à sua teoria do direito do mais forte, baseia-se na rasa equiparação do bom ao que é agradável e dá prazer.
Há o que é justo no sentido da natureza e o que é justo segundo a lei. E o que é justo na natureza coincide com o que proporciona prazer.
Deturpada a legislação, o mais forte agora é o retórico, devendo, portanto, dominar: “O problema é saber se também o homem que nasceu para dominar deverá dominar a si próprio”. Eis a fonte da luz de onde emana a força do brilho do laureado.
Assim como o corpo tem seu cosmos (ordem) que é a saúde, também na alma existe uma ordem: “denominamos lei e baseiam-se na justiça, no domínio de si próprios e no que chamamos virtudes”. A Alma ordena que se persiga a “Lei”.
Certamente, isso não compete, tampouco acomete a muitos. Os justos trazem a marca dos bons hábitos que se traduz por um bom habitat (Éthos).
O Estado deve diferenciar-se da massa hedonista, pois para esta “o bom coincide com o que é agradável aos sentidos”. E qual seria a conduta humana que a multidão adotaria se, em seu conceito, o melhor tipo de vida é a agradável e prazerosa?
Dialético, Sócrates exige que as sensações de prazer sejam divididas em boas e más: “o bom não é igual ao agradável [é bom adquirir uma formação, mas nem sempre é agradável locomover-se diariamente, por anos a fio e cumprir as tarefas inerentes ao curso] nem o mau ao desagradável”. De fato, cabular aulas, por exemplo, é um mal muitas vezes prazeroso.
O conceito de opção da vontade e do objetivo final da vontade se apresentará como sendo o Bem. Luta-se contra a apaideusia, que é a ignorância quanto aos bens supremos da vida, aponta Jaeger.
Eis a verdadeira magnitude do Ethos moral de Sócrates, ele “rasga completamente o véu que cobre o abismo cavado entre ele e o hedonismo”.
A grandeza de um estadista não deve estar em satisfazer seus próprios apetites e os da massa, mas em “infundir às suas obras um determinado eidos (forma) tão perfeito quanto possível”, analisa Werner Jaeger.
A justa medida, a moderação, a harmonia (sophrosyne) se faz presente em todas as virtudes e a alma refletida e disciplinada é a alma boa.
Segundo o estudioso, a palavra grega “bom” (agatós) abarca o sentido ético (toda ética é estética e política, diz Platão) e é o adjetivo correspondente ao substantivo Areté, designando toda a classe de virtude ou excelência.
Se compreendermos excelência em sentido grego, algo como ser o melhor possível naquilo que se é, imagine o que seria a excelência em ética, senão o Bem, o Belo e o Justo? Bondade, Beleza e Justiça.
Justiça, afirma Sócrates, é a harmonia que faz corresponder a virtude humana à virtude cívica. Quando se divorciam, o Estado se degenera, torna-se indigno de sua autoridade.
Enquanto não atentarmos a isso, os que não buscam excelência em ética e ignoram os bens supremos da vida [opção e objetivo final da vontade corrompida], quando fortes [e a arte da retórica fortifica] continuarão a deter o poder político-econômico. Apropriar-se-ão e gerirão como bem entendem os parcos e árduos bens de Gerião.
Saiba mais sobre como desenvolver a arte da retórica (mas seja ético!) num capítulo especialmente dedicado a isso em:
Saiba mais sobre como desenvolver a arte da retórica (mas seja ético!) num capítulo especialmente dedicado a isso em:
Tomás de Aquino ensinava que o amor propicia maior grau de união com o objeto amado do que a razão com o objeto conhecido. Em virtude disso, que somos mais capazes de conhecer quando amamos, pois a intimidade revela o que nossa razão é incapaz de perceber.
Dessa forma, dedico esse trabalho às pessoas que cotidianamente revelam novas realidades para meu ser: minha amada esposa Luciene, meus amados filhos Sofia e Théo.
Obrigado,
Marcelo Lamy
Na Livraria Cultura, Saraiva e na própria editora Elsevier: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22353994&sid=662497141121117126095841960&k5=63C6EA2&uid=