“Uma dança para a música do tempo” (1638), de Nicolas Poussin, pode ser apreciada no Wallace Colection, em Londres.
Amigos da Carta Forense, nesse janeiro, mês de férias, trazemos a
brisa e os ensinamentos presentes na delicadíssima tela do francês
Nicolas Poussin (1594-1665), que fez carreira (e muito sucesso!) em
Roma.
Tudo a
ver com nossos propósitos (e o alerta!) para o ano que se inicia,
“Uma dança para a música do tempo” traz as figuras
alegóricas da Riqueza, do Prazer, do Trabalho e
da Pobreza, além do deus Jano (esculpido numa pedra, sobre um
pedestal e envolto numa guirlanda de flores), a carruagem de Apolo e
seu cortejo, a criança e o velho, no canto inferior direito e a
outra criança fazendo bolhas de sabão, no canto inferior esquerdo.
Embarquemos
numa das atividades mais prazerosas do mundo: contemplar uma obra de
arte para – olhos e alma atentos – tentar “traduzir” o que o
erudito artista está a nos revelar através de suas pinceladas.
Observem que o deus grego da saúde e da harmonia, Apolo (Hélios, na mitologia romana) está, lá do alto, dentro de um círculo dourado, o que representa a eternidade que é o nascer do Sol (Apolo).
Ele é
precedido por uma jovem – seguramente a deusa Aurora – que faz
jorrar algo como pó de ouro (ou flores douradas) de suas mãos. E
sua carruagem é seguida por algumas donzelas, a bailar, conhecida
como sendo as “Horas”.
A
representação pictórica dessas quatro divindades alegóricas, diz
muito sobre as instâncias que presidem.
O Prazer é a única que nos encara convidativa e, reparem como seu olhar é tranquilo, alegre, feliz. Assim como a Riqueza, o Prazer também está calçado (isso é MUITO importante!). Não há dúvida de que o fato do Prazer ser a alegoria mais distante da Pobreza, nos diz muito sobre seu âmbito.
Sobre a
cabeça de todas essas alegorias está algo ligado ao que elas
representam e, o Prazer traz uma guirlanda de flores. Ora, flores são
belas, exalam aromas agradáveis e… Perecíveis, efêmeras. O
prazer também abarca a luxúria, o ócio e talvez seja por isso
mesmo que dá às mãos à Riqueza. Afinal, sem dinheiro, como gozar
o melhor da vida?
Atentem
que o Trabalho está centralizado, entre o Prazer e a Riqueza.
E ostenta a guirlanda de louros em sua cabeça! Realmente, o Trabalho
é dignificado, faz jus à coroa de louros, símbolo da vitória.
Note-se que o trabalho, assim como a Pobreza, estão descalços. Como
sempre, nada é em vão, ou seja, em tudo o artista está a nos
relatar o que apreende dessas instâncias.
O
Trabalho dá as mãos à Pobreza e essa tenta dar às mãos à
Riqueza, mas observem que elas (mãos da Pobreza e mãos da Riqueza)
não chegam a se tocar. A Pobreza traz em sua cabeça um simples pano
a prender seus cabelos, está descalça, se veste com modéstia e
expressa um semblante comovente.
Muito
bem trajada, a Riqueza, calça belíssimas sandálias douradas
e traz uma guirlanda de pérolas na cabeça. É apropriado que a
Riqueza ostente alguma joia, símbolo de fortuna, de recursos em
abundância.
Também
podemos ver que, enquanto a Pobreza traz mesmo uma expressão
facial de sofrimento, a Riqueza apresenta um perfil sereno; já o
Trabalho parece focado noutra coisa (na Riqueza?) e, como já
dissemos, travesso, o Prazer tem uma carinha de felicidade, de
indisfarçável satisfação.
Como se trata de “Uma dança para a música do tempo”, a figura do velhinho sentado tocando um instrumento musical parece introduzir a velhice (ou a morte) como elemento à espreita.
Não importa o que
façamos, a velhice e/ou a morte, está lá, rogando pela harmonia
(aventa-se pela música) que essas quatro alegorias, quando bem
orquestradas, presidem. Quanto às asas do idoso (o Tempo), Bem, o
tempo voa mesmo.
Já a
criancinha ao lado do velho, segurando uma ampulheta (que ainda tem
muita areia para passar), indica que, como esse ano de 2017, a dança
começou há pouco e vai durar algum tempo.
É
curioso que uma inocente criança segure a frágil ampulheta.
Podemos, heraclitianamente, “ler” algo também nisso: “O
tempo é criança brincando, de criança o reinado.” (Frag. 52
, do filósofo pré-socrático, Heráclito de Éfesos, inspirador de
Sócrates e Platão).
A outra
criança, no canto inferior esquerdo, fazendo bolhas de sabão,
parece estar a indicar a efemeridade da vida, que passa tão rápido.
Muitos elementos nessa obra reiteram isso insistentemente. Fato que é
que esta criança está a brincar. Talvez a vida seja mesmo uma
brincadeira, que levamos a sério demais.
Sobre a presença do deus Jano (daí janeiro) nesse sólido pedestal, também vale a pena elucubrar. O maior monumento a Jano se encontra no Museu do Vaticano. Ele é bifronte, ou seja, tem duas faces: jovem, indicando o futuro e outra velha, representando o passado. Mas, às vezes, como no do Vaticano, ambos possuem longas barbas.
Jano, do
latim, Janus, é o deus pagão dos fins e dos começos
(dezembro e janeiro). Talvez sua presença nessa obra se justifique
pelo fato dos antigos romanos considerarem que esse deus traz
dinheiro. À Jano é creditada a invenção da moeda, que como ele
também tem duas apresentações distintas: cara ou coroa.
A
guirlanda de flores ornamentando Jano sugere mais uma contraposição
entre o eterno e o efêmero: flores murcham, mas Jano se reinicia a
cada ano. Sua afinidade com o Tempo, Saturno (Chronos) talvez se deva
ao fato de alguns relatos mitológicos afirmarem que ele deu guarida
ao deus do Tempo, quando esse fora destronado por seu caçula,
Júpiter (Zeus).
Que
nesse ano novinho em folha que agora se inicia, evitemos a pobreza,
desfrutemos de muito prazer graças à riqueza, fruto de nosso
trabalho!
FELIX ANO NOVO! \o/
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