“A chama altaneira de Prometeu se esgotou, e no lugar dela se
usa hoje em dia a chama produzida pela farinha do licopódio*... É tudo fogo
teatral. ” Friedrich Von Schiller
Penso que não é o fato de
estarmos expostos a imagens, vídeos e opiniões (doxa) a todo instante o que seja prejudicial em si, mas é inegável
que tamanha aceleração não propicie adequada assimilação dessa avalanche de
conteúdo.
Conectados, mais do que nunca, é
imperativo que adotemos critérios para que possamos selecionar ao que convém ou
não dedicarmos o bem mais precioso de nossas vidas: tempo.
Simples, as verdades mais
profundas são assim mesmo, óbvias, implacáveis: o tempo é precioso, pois escasso. E,
embora os avanços tecnológicos (technèe) da arte de Asclépio, aliado a escolhas conscientes
e salutares, prolonguem e estendam, tanto as capacidades de nossos corpos quanto
de nossas mentes (por mais de oito ou nove décadas), sim, nosso tempo de vida é
finito. Em virtude disso, convém discernir sobre como dispô-lo.
À revelia, mesmo sem nos darmos
conta, nosso tempo vem sendo abduzido por uma grande quantidade de informações
que nem sempre nos munem de conhecimentos, tampouco de sabedoria, que deveria ser o
propósito de amealhar tanto conhecimento.
Uma das buscas basilares do
homem, portanto, da filosofia, é a de alcançar a tal felicidade, palavrinha mágica que abarca estado de bem-estar físico
e psíquico, a máxima do poeta romano, Giovenale: “(..) mens sana in corpore sano”.
Está assentado que nesse breve e
finito período no qual usufruímos da vida, permanecemos reféns do afã de suprir
necessidades básicas, tais como alimentação, vestimenta, moradia, saúde,
educação e transporte, por exemplo.
Em termos psíquicos, há a
necessidade de relacionar-se, sentir-se amado (ou ao menos reconhecido), de expressar afeto e de
manifestar opiniões (doxa), não necessariamente verdadeiras (doxa alethés).
Também concorre para a felicidade
desfrutarmos da liberdade de exercermos um papel social, nos sentindo úteis,
pois, necessários àqueles que nos cercam, seja no seio da família da qual
originamos, na que formamos, seja numa empresa/instituição e até mesmo na
esfera mais ampla, transcendente (na vida social coletiva), que nosso espírito sintonizar e ousar abarcar.
Tornarmo-nos indivíduos
(indivisíveis), expressar nossa personalidade, tão única e dotada de talentos,
subsidiar nosso sustento através desses dons, desfrutar de um lar, refúgio seguro,
aprazível e aconchegante; disciplinados, trabalhar com afinco, contar com a
sorte do virtuoso cúmplice com quem se possa erigir e compartilhar a vida, desfrutando do
prazer da sexualidade, poder escolher entre gerar ou não e criar os filhos, viajar,
conhecer culturas estrangeiras, ter o trabalho reconhecido, contar com a dádiva
de (poucos, mas) confiáveis amigos, atuar em alguma atividade filantrópica que ampare aos
desassistidos tão desafortunados e, ao fim do dia – quem sabe da vida – nos
entregarmos a Hypnos (Somno, na mitologia romana) com a
consciência tranquila, em paz, a sensação de dever (àquele deus que não admite ateus, segundo Victor Hugo) cumprido.
Independente da raça, cor ou
credo, lograr êxito nos itens apontados acima seriam reconhecidos como
incontestáveis motivos de felicidade. Que a satisfação de cada um deles não
está completamente em nossas mãos, já nos ensinaram os estoicos: há as
vicissitudes, as tragédias, os reveses, os golpes, as traições e as competições
– nem sempre justas e imparciais – às quais estamos sujeitos.
Na aleatória, portanto,
eventualmente injusta, loteria da vida, talvez não tenhamos nascido num dos países
cujos dirigentes políticos sejam dos menos corruptos e/ou que não tenhamos sido
desejados e acolhidos no seio da família mais amável, responsável e estruturada
do mundo, mas que tenhamos surgido e sejamos mero fruto dos hormônios em
ebulição de nossos pais.
Pode acontecer até de ignorarmos
quem seja nosso pai (o que pode acarretar uma fratura psíquica portentosa) e, mesmo
que conheçamos o biológico, o “Pai” metafísico (Criador) será avidamente buscado
até o nosso último suspiro. Talvez, sobretudo, neste instante.
Mesmo que não tenhamos sido
agraciados com a saúde e a aparência (altura, peso ou cor e demais
características fenotípicas) consideradas ideais pela cultura dominante e, avançando a galopadas, Geres
já reivindique seu reinado, não somos frutas e legumes, passíveis e submissos a
esses crivos: somos mais!
A centelha divina que –
literalmente –, nos anima, dotou-nos de vontade e de coragem. Sendo assim, cabe
a cada um de nós, independente do histórico pregresso e dos desafios à
espreita, nos empenharmos e partirmos em busca daquilo que constituirá
felicidade para nós, dentro de nossos anseios e expectativas, que serão sempre
balizados pelos pares que elegemos como sendo dignos de admiração.
É justamente esse o ponto do
presente ensaio, que tangencia sobre o tempo, a sabedoria e a felicidade: os
pares que elegemos como dignos de admiração. Quem são e onde estão?
Muitas vezes, ao acessarmos a web,
navegamos num mar de lama e nos deparamos com uma turba assombrosa, uma escória
libertina e devassa que vomita dejetos putrefatos e, tal qual cães
encolerizados, ladra e vocifera com vigor todo tipo de barbaridade e
impropérios.
Uma rápida espiada em suas vidas
infelizes – a abrigar a larva do fracasso e da derrota destilando ressentimento
– seria suficiente para que, convictos, emitíssemos nosso veredicto: Não! Não
há vida digna de admiração, apenas os agitados e desprezíveis zumbis que,
trajando os farrapos da má fé e do mau gosto, reivindicam traiçoeiramente – em
nome da LIBERDADE – o posto de paladinos da perversa moral atual, alastrando
fétido odor, fazendo barulho e causando estardalhaço, muito estardalhaço.
Bombardeados a todo instante, não por sábios e virtuosos,
mas por néscios, ignaros, infelizes – vemos sequestrado o que
temos de mais raro e precioso: o tempo que, à revelia, destinamos ao que os pseudointelectuais tem a nos
dizer.
Embora surjam inutilidades e imundices
em nossas telas, urge usar a falange do indicador com discernimento e lucidez
pois, além de escasso, Chronos (Saturno) é impiedoso e, sábio é ser feliz.
Luciene Felix Lamy
Professora de Filosofia e Mitologia Greco-romana
lucienefelix.blogspot.com
Dedicado a sábia discípula de Athena (Minerva), juíza
Daniela Maria Cilento Morsello.
(*) Com as sementes do licopódio eram engendrados, outrora,
os raios sobre os palcos nas apresentações teatrais. Soprava-se com rapidez o
pó em chamas das sementes e assim era produzido o efeito de um raio.
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