“Aí está a prova de que meu
espírito percebe muito mais do que as coisas presentes. ” Prometeu.
Gigante e pioneiro das
pedagógicas tragédias gregas, Ésquilo (525 a.C.) vislumbrou e vaticinou uma
incômoda e perturbadora ameaça (para dizer o mínimo) que, cerca de 2.500
depois, testemunhamos estar a cumprir-se: a de que Zeus (Júpiter/Giove/Jove) também
seria destronado.
A saga do titã filantropo,
intitulada “Prometeu Acorrentado” explicita um arquétipo da criação humana,
onde temos no elemento fogo o simbolismo do conhecimento da arte e a técnica
que promove o avanço da humanidade.
Elucidativo é o significado do
nome do patrono da humanidade: Prometheus (pro=antes e metheus=vidência)
é o que pensa, que vê, que enxerga ANTES.
Em linhas gerais, por ter
presenteado a raça humana com algo interdito aos mortais, o fogo, Prometeu
sofre um terrível castigo enviado por Zeus (Júpiter), o ordenador do Cosmos.
O relato da tragédia já foi
publicado aqui mesmo, na Carta Forense no artigo intitulado: “Prometeu –
Direitos do Homem e Hýbris” (setembro de 2009), disponível AQUI.
Retomo a questão nevrálgica dessa
tragédia em virtude da constatação de que a ameaça de Prometeu a Zeus, a saber,
de que o soberano do Olimpo seria destituído do poder por um de seus filhos,
parece caminhar a passos largos para efetivar-se.
Oraculares, sabemos que as
tragédias, assim como os mitos, vaticinam, pressagiam acontecimentos por vir.
Aventando uma das interpretações possíveis, Zeus, representando a instauração
da ordem, o pautar-se por harmonia, simetria e equidade (Justiça) talvez esteja
mesmo sendo deposto, assim como ele fizera com seu pai Chronos (Saturno) e
este, com seu avô, Urano (Ouranós).
Teogonia primeva, o céu criador
(Urano) é destronado pelo Tempo (Chronos) que, por sua vez, é suplantado pela ordem
(Zeus) que, nos dias que correm, cede ao egoísmo, à ganância, à vaidade e à absoluta
ausência de pudor, enfim, ao caos. Numa palavra, Zeus é subjugado pelo próprio
Homem.
Sintomático, exemplo concreto da
aviltante degradação da humanidade pode ser constatado ao observarmos, por
exemplo, as obras do escultor inglês Marc Quinn. Confira “Buck & Allanah” e confirme a infâmia.
Obviamente, ao artista contemporâneo
coube a tarefa de revelar (tirar o véu) a bestialidade na qual culmina o
comportamento sexual humano. Infelizmente, sim, o artista talvez esteja mesmo
unicamente a representar justamente àquilo no que nos transformamos –, pois não
há como negar que, dessacralizadoras, suas esculturas, evidenciam a banalização
da conduta sexual humana.
É imperativo que ponderemos sobre
o que estamos nos tornando, não meramente calcados por um precipitado e raso julgamento
moral (no sentido de certo ou errado), mas pela necessidade de – lúcidos e
razoáveis –, atentarmos ao que está despontando e sendo posto em relevo no que
tange ao exercício da sexualidade que, sublime ou grotesca, tanto nos eleva e engradece
quanto nos bestializa e arruína.
Por mais que sejamos indulgentes em
relação às questões de cunho particular da
sexualidade, sobretudo entre adultos, pois, o exercício da sexualidade, assim
como a Fé é de âmbito privado de cada
alma [corpo] individual (como já
salientou o filósofo existencialista dinamarquês Sören Kierkegaard), é temeroso
que aberrantes exceções possam vir a tornar-se regra.
Atentemos ao que o mundo, através
desses “artistas” está a nos dizer, porque somos sim, responsáveis pelo
desdobramento de nossos atos, por tudo o que legamos. E nunca estivemos tão
passivos (até mesmo coniventes) à bestialidade, em termos de conduta sexual.
“Éthos” é resultado de “mores”. De
cabelos em pé é como ficou (e nos deixará) toda a geração que acessou o hardporn de papai & mamãe cujo
conteúdo abarcava de tudo, exceto "papai & mamãe". Certamente, um
dia a “fatura” chegaria. Para o mundo.
Enquanto personificação de um arquétipo
de ordem, Zeus parece mesmo ter sido destronado. Em seu lugar, entrona-se o
caos.
Paradigma dessa nova (e, paradoxalmente,
antiga) potestade, é ao CAOS contra o qual é preciso insurgirmos, reivindicando
e exercendo o direito à liberdade de poder escolher entre o grotesco, bizarro
OU o belo, o sublime. Do contrário qual sentido termos sido agraciados com a dádiva
de prerrogativas divinas, a saber, o fogo (rátio,
logos) do conhecimento?
Infelizmente, um sábio da
estatura de Ésquilo dificilmente estaria enganado em seu prognóstico. Até
porque, como ele mesmo afirma na tragédia: “Para o sábio o erro é humilhante! ”.
Luciene
Felix Lamy
Professora de Filosofia e Mitologia
Greco-romana
lucienefelix.blogspot.com
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