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2 de mai. de 2017

Schopenhauer - De como viver é sofrer (Parte II)

"Entre os males de uma instituição penal também se conta a sociedade que encontramos ali." Arthur Schopenhauer 

Prosseguindo com o pensamento e as ideias de Arthur Schopenhauer (confira a Parte I - AQUI), constatamos que sim, os animais se satisfazem muito mais do que nós com a simples existência, que encerra menos sofrimento, mas também menos alegrias. 

Isso porque – como ele esclarece –, o animal permanece livre das aflições, dos tormentos e das preocupações, no entanto, por dispensar a esperança, não participa da antecipação de um futuro alegre que se dá por meio dos pensamentos imaginativos, fonte de tantas alegrias e prazeres para nós: “(…) a consciência humana possui um campo de visibilidade que abrange a totalidade da vida, e mesmo vai além”.

Segundo Schopenhauer, é a capacidade cognitiva superior que faz nossa vida mais sofrida do que a dos animais, de modo que podemos remeter isso [a capacidade cognitiva superior] a uma lei mais geral e alcançar assim uma visão muito mais ampla. Que visão será essa?

Conhecimento em si mesmo, afirma, é sempre indolor. Sofremos mesmo é quando a satisfação de nossa vontade está obstruída e temos consciência disso: “Que a dor espiritual seja condicionada pelo conhecimento, compreende-se por si, e que cresce conforme o grau [de conhecimento] do mesmo, pode ser facilmente verificado (…).


O filósofo diz que na infância, por exemplo, nos situamos frente ao curso do futuro de nossa vida, numa expectativa alegre do por vir, que é uma sorte não sabermos o que virá e que, condenados à vida ainda não ouvimos o conteúdo de nossa sentença e que, ainda assim, todos nós desejamos atingir uma idade avançada.



Para Schopenhauer, o mundo constitui o inferno e nós formamos em parte os atormentados, e noutra, os demônios. Antecipando-se aos que possam vir a criticá-lo, defende-se: “Agora terei de ouvir novamente que minha filosofia é desesperada somente porque me expresso conforme a verdade, mas as pessoas querem que se lhes diga que o Senhor Deus tenha feito tudo do melhor modo. Dirijam-se à igreja, e deixem em paz os filósofos.”

Miserável, imperfeito, assim é o mundo e o mais perfeito de seus fenômenos, o homem: “(…) qual crianças de pais displicentes, já viemos ao mundo dotados de culpa, e que só porque continuamente devemos expiar esta culpa, nossa existência se torna tão miserável e tem como fim a morte.”

Nada é mais certo, diz Schopenhauer, do que, em palavras gerais, o homem ser o mais grave pecado do mundo que provoca o múltiplo e imenso sofrimento do mundo; insistindo que não se indica aqui a conexão físico-empírica, mas a metafísica.

Conforme esse ponto de vista, assegura que apenas a história do pecado original – única verdade metafísica – o reconcilia com o Antigo Testamento: “Pois a nada mais nossa existência se assemelha tão perfeitamente, como à sequência de um passo em falso e de um desejo condenável.”

Para que não nos enganemos, convém que tenhamos em mente que nada se presta melhor como bússola para uma boa orientação na vida do que cultivarmos o hábito de considerar este mundo como local de penitência, e portanto também como uma espécie de instituição penal: “(…) a penal colony, uma ergastérion, como já a denominara os mais antigos filósofos e entre os anciães cristãos, Orígenes [que] o afirmava com ousadia digna de louvor, concepção esta que também encontra sua justificativa teórica e objetiva não somente em minha filosofia, mas na sabedoria de todas as épocas, ou seja, no bramanismo, no budismo, em Empédocles e Pitágoras; como também em Cícero: 'Nascemos para expiar as penas de alguns crimes contraídos na vida anterior'.”

Considerando do maior vigor a expressão de Vanini, Schopenhauer o cita: “O homem está repleto de tantas e tão grandes misérias que, se não fosse incompatível com a religião cristã, ousaria dizer: se existem demônios, eles próprios expiam as penas do crime, transmigrando para os corpos dos homens”.

O fato é que, para Schopenhauer, mesmo no cristianismo genuíno e bem compreendido, nossa existência é concebida como consequência de uma culpa, um passo em falso, diz ele.

Sendo assim, assumido o hábito – o de se considerar este mundo como local de penitência – disporemos de nossas expectativas de vida de modo a se adequarem à realidade dos fatos e encararemos as contrariedades, os sofrimentos, os tormentos e as necessidades não mais como algo inesperado e contrário à regra, porém inteiramente em ordem, muito cientes de que aqui, cada um é punido por sua existência, e cada qual a seu modo.



Mas, como se sentirá o homem bom, a bela alma, num mundo tão hostil? Schopenhauer diz que se sentirá como um nobre prisioneiro político, nas galeras, entre criminosos comuns e que procurará se isolar: “E de um modo geral a referida concepção nos habilitará a contemplar as assim denominadas imperfeições, a constituição moralmente, intelectualmente e portanto, também fisionomicamente indigna na maioria das pessoas, sem estranheza e muito menos indignação: pois sempre teremos à mente o lugar como um ser que existe apenas em consequência de sua culpabilidade, cuja vida é a expiação do pecado de seu nascimento.”

Para ele, o que o cristianismo denomina – a natureza pecaminosa do homem – constitui o fundamento dos seres, que encontramos neste mundo como nossos semelhantes. 

Em consequência da constituição deste mundo, acrescenta, se encontram principalmente e mais ou menos em um estado de sofrimento e de insatisfação, inadequado para nos tornarem mais participantes e cordiais, e por fim, que nosso intelecto, na maioria dos casos, é tal que serve mal e mal aos desígnios de nossa vontade.

É por essas diretrizes que devemos orientar nossas expectativas quanto à sociedade neste mundo. E quem adota este ponto de vista, poderia considerar o impulso à sociabilidade uma inclinação condenável, pondera.

Ainda assim, para Schopenhauer, a convicção de que o mundo, e portanto também o homem é algo que propriamente não deveria ser, é adequada a nos prover de tolerância uns em relação aos outros; pois: “O que há de se esperar de seres sob tais predicamentos?”, indaga.

Irônico, diz que o tratamento apropriado entre os homens, em lugar de Senhor, Monsieur, Sir, etc., deveria ser “companheiro de infortúnio, soci malorum, compagnon de misères, my fellow-sufferer” e que, por mais estranho que possa parecer, lança sobre o outro a luz apropriada e recorda o necessário, a tolerância, paciência, piedade, amor ao próximo, indispensável a todos, e portanto, de que todos são devedores.

O caráter das coisas deste mundo, precisamente do mundo humano, afirma o filósofo do “pessimismo”, não é tanto, como se afirma com frequência, imperfeição, mas distorção, no que se refere ao moral, ao intelectual, ao físico, a tudo.

E a desculpa para tantos vícios: “(…) isto é natural ao homem” não basta, pois na verdade deveria ser: “justamente por ser perverso, é natural, e justamente porque é natural, é perverso”, compreensível se à luz da doutrina do pecado original, fundamento que nos constitui. Trata-se de uma constituição básica má, tanto que ninguém suporta ser observado atentamente, provoca o filósofo.

Partindo dos pressupostos acima, o que esperar dos seres humanos? Talvez julguemos nossos semelhantes com mais tolerância. E não nos espantaremos se os demônios que estão em nosso interior, vez ou outra, despertem e surjam nos outros. Pois, saberemos apreciar melhor o bem que, apesar de tudo, se instalou em nós, seja por conta de nosso intelecto ou por alguma outra coisa.

Justamente pela vida constituir um estado de necessidade e de miséria, em que cada um precisa lutar e disputar por sua existência, nem sempre assumimos a expressão mais cordial, salienta. Se o homem fosse aquilo por que pretendem fazer dele todas as religiões e filosofias otimistas – a obra ou até mesmo a encarnação de um deus – quão diferente seria o relacionamento de cada pessoa conosco.

Devemos ser tolerantes com a estupidez, falhas e vícios humanos, pois o que temos diante de nós é somente nossa própria estupidez, falhas e vícios: “trata-se de erros da humanidade, a que pertencemos, possuindo também todas as falhas, mesmo aquelas sobre as quais nos indignamos, mesmo que agora não se manifestam em nós, pois não se encontram à superfície, repousam no fundo, mas se apresentarão à primeira oportunidade.

Reconhece que a diferença das individualidades é inavaliavelmente grande e que por isso em uma pessoa se ressalta um determinado tipo de maldade, noutra, revelar-se-á algum outro tipo, de outro modo, pois não se pode negar que varia-se o grau de adesão àquilo que verdadeira e antecipadamente somos: antecipadamente condenados, miseráveis pecadores.


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