“Para
que servem os amigos, quando se tem o sucesso?” Eurípides
“De
fato, são sobretudo as pessoas felizes que precisam dos amigos que
falam com franqueza e rebaixam o excesso de seu orgulho: pois há
poucos homens que se mantêm sensatos na prosperidade.” Plutarco
No artigo anterior, vimos com
Plutarco porque somos responsáveis por nos cercarmos de bajuladores.
Dentre os indícios daquele que quer
se passar por amigo, mas não é, alertou que o bajulador visa
somente seu próprio bem e bajula àqueles de quem possa obter
benefícios; que é invejoso e, evita se opor às opiniões dos
bajulados. Se faz de semelhante, mas a inconstância e a volubilidade
o denunciam.
A fim de saber lidar com esses
oportunistas que intentam agradar a todo custo e para que não nos tornemos
assim, prossigamos em sua obra.
O bajulador, diz o sábio, faz
questão que o bajulado ganhe dele em tudo, pois não aspira à
igualdade. Enquanto o amigo é agradável, mas eventualmente é
também causa de desprazer (se achar que deve sê-lo), o bajulador
crê que deve ser somente agradável e o que mais faz é elogiar.
Isso é prejudicial, pois embota uma
noção isenta sobre nós mesmos: “(...) Mas que terríveis
consequências tem comumente esse louvor que, acostumando-nos a olhar
nossos vícios como virtudes (…) tira do mal a vergonha que ele
naturalmente deve inspirar.”,
afirma Platão.
Flagramo-los quando observamos as
concessões e deferências fingidas que concedem – não à
experiência, à virtude ou à idade –, mas à riqueza e ao poder.
Por conta da existência de uma
vasta corja de bajuladores, Carnéades dizia que a única coisa que
os filhos dos reis e dos ricos aprendem convenientemente é montar a
cavalo e mais nada, pois: “(...) o cavalo, incapaz de distinguir
um simples particular de um notável, ou um rico de um pobre, e bem
longe de se preocupar com isso, sacode da sela todo aquele que não
sabe montar”. São francos.
A verdadeira franqueza, diz
Plutarco, aquela que caracteriza a amizade, empenha-se não apenas em
corrigir, mas também em curar as falhas. A aparente franqueza do
bajulador, se posta em prova, revela-se branda, superficial,
desprovida de peso e energia.
Embora anseie pela reputação de
inimigo do vício, o bajulador se revela quando é grosseiro e
intratável com os domésticos e demais subordinados, enérgico em
apontar as faltas dos parentes, dos amigos e, diante de estranhos,
não manifesta respeito, mas desprezo aos que não lhe interessam.
Afetado por uma “altiva
severidade”, porém omisso com coisas sérias, finge que não vê
as faltas capitais, que ignora as questões reais de quem lhe
interesse: “Mas fica furioso quando se trata de se manifestar
sobre os pecadilhos leves e exteriores (…)”. Assim,
busca construir sua reputação.
Bajulações podem ser perigosas se
se dirigem a homens pouco habituados a refletir. O único meio de
lutar contra isso é tomar consciência das próprias falhas: “(…)
nossa alma é a sede de duas faculdades; uma é dotada de
sinceridade, beleza e razão, a outra, desprovida de senso, é um
teatro de mentiras e violentas paixões (…).”
Atento à nossa vulnerabilidade, o
bajulador faz “suscitar a elevação insuportável e oca do
orgulho (...)”.
Plutarco dá-nos o pharmakon:
se formos “(...) conscientes de nossas ambições, de nossas
indelicadezas e de nossas covardias, é impossível que não
desmascaremos um bajulador: [que]
é o apologista infatigável de nossas paixões (...)”.
Reconhece-se o bajulador por sua
devoção. Eles nos cercam, diz Plutarco, com “a solicitude
afetada de uma cortesã (...)”. Ao
contrário, a conduta do amigo, citando Eurípides, “é
simples como uma palavra de verdade, sem rodeios e sem dissimulação
(...)”.
O remédio é evitar ansiarmos por
uma plateia que nos aplauda o tempo todo: “Escolhe como amigos
aqueles que não fazem concessão, mas que um ferrolho defenda tua
corte dos perversos (…)”.
Infelizmente, comumente, agimos de
maneira inversa, procuramos “fugir dos que não nos fazem
nenhuma concessão (…), enquanto [deixamo-nos acompanhar por]
esses vis impostores, que só sabem agradar por bajulações
servis (...)”.
Os serviços prestados pelo
bajulador dispensam a moral: “(...) qualquer coisa infame e
vergonhosa que se lhe queira ordenar, ele está pronto a esforçar-se
para agradar (...)”. Ao revés,
um bom amigo não participa do que é desonesto: “Deve-se
ajudar seu amigo em seus empreendimentos, mas não em seus crimes;
deve-se ser um conselheiro e não um conspirador, um fiador, não um
cúmplice, um companheiro de infortúnios, sim, por Zeus, mas não um
conivente nos erros”.
Plutarco afirma que “nada é
mais doce que partilhar com muitas pessoas os sentimentos de uma
benevolência recíproca (...)”. Razão
pela qual é natural que nos empenhemos para que outros também
desfrutem de nossos bons amigos.
O bajulador não pensa assim, pois
teme ser desmascarado: “(…), sentindo que, em comparação com
um amigo verdadeiro, sólido e de boa índole, se reconhecerá como
ele é frívolo, falso e trapaceiro (...)”. Nesse
contexto, tenta afastar os amigos do bajulado. Quando não
consegue, finge bajulá-los enquanto semeia calúnias e fomenta
intrigas.
É nossa boa impressão sobre nós
mesmo, insiste o autor, uma das causas que nos torna vulneráveis à
bajulação. Convém acalentar o hábito de considerar nossas faltas,
nossos erros, atentarmo-nos à autocrítica e às críticas apontadas
com franqueza pelo amigo, quando agimos mal.
Por outro lado, se queremos ser
amigos e não bajuladores dos demais, é preciso compreender o tipo
de franqueza que os distingue.
A franqueza deve ser moderada, pois:
“Se é vergonhoso tornar-se bajulador procurando agradar, não o
é menos entregar-se, para evitar a bajulação, a uma franqueza
imoderada, que destrói a amizade e a solicitude”. Pronunciar
palavras mordazes a um homem infeliz, longe de curar ou aliviar seu
mal (preocupação de um amigo), extenua-se um coração já magoado
e, aquele que pensa que dizer injúrias é falar com franqueza, não
passa de um grosseiro, diz Plutarco.
Enquanto a discreta franqueza que
prodigaliza uma lição moral é do domínio da amizade e da nobreza
– “(...) impossível resistir a uma franqueza cuja doçura dê
mais peso à advertência” –, as censuras frias revelam
estreiteza de espírito. A prepotência deve ser excluída da
franqueza: “(...) devemos, de alguma maneira, varrer todo traço
de insolência, ridículo, gracejo ou zombaria (…) a franqueza pode
admitir habilidade e elegância, contanto que a benevolência
preserve a dignidade (...)”.
Ocasião favorável para usar de
franqueza com um amigo é aquela em que ele se torna humilhado e
embaraçado pelas censuras que outros lhe fizeram a respeito de seus
erros.
Mas, para tanto, necessita-se de
autoridade moral. Plutarco ensina que, se um homem frívolo e sem
valor moral se põe a falar com franqueza, pode-se objetar: “Todo
coberto de pústulas, queres cuidar dos outros?”.
Sensível, o autor diz que uma alma
afetada por uma paixão violenta não suporta franqueza demais.
São as correções ditadas por um genuíno sentimento de benevolência e
amizade que nos orientam e confortam.
Após delicada franqueza numa
advertência ao amigo, evitemos findar a conversa com palavras
mordazes que possam humilhá-lo, deixando-o à mercê de sofrimentos.
Solidário, o verdadeiro amigo jamais nos abandona.
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2 comentários:
Oi Luciene. Achei sua postagem sobre Plutarco e gostei muito. Estou citando vc e transcrevendo um trecho pequeno para uma postagem no Facebook.
parabéns pelo blog.
Alexandre
Fantástico amei ler.
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