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1 de out. de 2012

Como distinguir o amigo do bajulador - Plutarco (II)


Para que servem os amigos, quando se tem o sucesso? Eurípides

De fato, são sobretudo as pessoas felizes que precisam dos amigos que falam com franqueza e rebaixam o excesso de seu orgulho: pois há poucos homens que se mantêm sensatos na prosperidade.” Plutarco

No artigo anterior, vimos com Plutarco porque somos responsáveis por nos cercarmos de bajuladores.
 
Dentre os indícios daquele que quer se passar por amigo, mas não é, alertou que o bajulador visa somente seu próprio bem e bajula àqueles de quem possa obter benefícios; que é invejoso e, evita se opor às opiniões dos bajulados. Se faz de semelhante, mas a inconstância e a volubilidade o denunciam.
 
A fim de saber lidar com esses oportunistas que intentam agradar a todo custo e para que não nos tornemos assim, prossigamos em sua obra.
 
O bajulador, diz o sábio, faz questão que o bajulado ganhe dele em tudo, pois não aspira à igualdade. Enquanto o amigo é agradável, mas eventualmente é também causa de desprazer (se achar que deve sê-lo), o bajulador crê que deve ser somente agradável e o que mais faz é elogiar.
 
Isso é prejudicial, pois embota uma noção isenta sobre nós mesmos: “(...) Mas que terríveis consequências tem comumente esse louvor que, acostumando-nos a olhar nossos vícios como virtudes (…) tira do mal a vergonha que ele naturalmente deve inspirar.”, afirma Platão.
 
Flagramo-los quando observamos as concessões e deferências fingidas que concedem – não à experiência, à virtude ou à idade –, mas à riqueza e ao poder.
 
Por conta da existência de uma vasta corja de bajuladores, Carnéades dizia que a única coisa que os filhos dos reis e dos ricos aprendem convenientemente é montar a cavalo e mais nada, pois: “(...) o cavalo, incapaz de distinguir um simples particular de um notável, ou um rico de um pobre, e bem longe de se preocupar com isso, sacode da sela todo aquele que não sabe montar”. São francos.
 
A verdadeira franqueza, diz Plutarco, aquela que caracteriza a amizade, empenha-se não apenas em corrigir, mas também em curar as falhas. A aparente franqueza do bajulador, se posta em prova, revela-se branda, superficial, desprovida de peso e energia.
 
Embora anseie pela reputação de inimigo do vício, o bajulador se revela quando é grosseiro e intratável com os domésticos e demais subordinados, enérgico em apontar as faltas dos parentes, dos amigos e, diante de estranhos, não manifesta respeito, mas desprezo aos que não lhe interessam.
 
Afetado por uma “altiva severidade”, porém omisso com coisas sérias, finge que não vê as faltas capitais, que ignora as questões reais de quem lhe interesse: “Mas fica furioso quando se trata de se manifestar sobre os pecadilhos leves e exteriores (…)”. Assim, busca construir sua reputação.
 
Bajulações podem ser perigosas se se dirigem a homens pouco habituados a refletir. O único meio de lutar contra isso é tomar consciência das próprias falhas: “(…) nossa alma é a sede de duas faculdades; uma é dotada de sinceridade, beleza e razão, a outra, desprovida de senso, é um teatro de mentiras e violentas paixões (…).”
 
Atento à nossa vulnerabilidade, o bajulador faz “suscitar a elevação insuportável e oca do orgulho (...)”.
 
Plutarco dá-nos o pharmakon: se formos “(...) conscientes de nossas ambições, de nossas indelicadezas e de nossas covardias, é impossível que não desmascaremos um bajulador: [que] é o apologista infatigável de nossas paixões (...)”.
 
Reconhece-se o bajulador por sua devoção. Eles nos cercam, diz Plutarco, com “a solicitude afetada de uma cortesã (...)”. Ao contrário, a conduta do amigo, citando Eurípides, “é simples como uma palavra de verdade, sem rodeios e sem dissimulação (...)”.
 
O remédio é evitar ansiarmos por uma plateia que nos aplauda o tempo todo: “Escolhe como amigos aqueles que não fazem concessão, mas que um ferrolho defenda tua corte dos perversos (…)”.
 
Infelizmente, comumente, agimos de maneira inversa, procuramos “fugir dos que não nos fazem nenhuma concessão (…), enquanto [deixamo-nos acompanhar por] esses vis impostores, que só sabem agradar por bajulações servis (...)”.
 
Os serviços prestados pelo bajulador dispensam a moral: “(...) qualquer coisa infame e vergonhosa que se lhe queira ordenar, ele está pronto a esforçar-se para agradar (...)”. Ao revés, um bom amigo não participa do que é desonesto: “Deve-se ajudar seu amigo em seus empreendimentos, mas não em seus crimes; deve-se ser um conselheiro e não um conspirador, um fiador, não um cúmplice, um companheiro de infortúnios, sim, por Zeus, mas não um conivente nos erros”.
 
Plutarco afirma que “nada é mais doce que partilhar com muitas pessoas os sentimentos de uma benevolência recíproca (...)”. Razão pela qual é natural que nos empenhemos para que outros também desfrutem de nossos bons amigos.
 
O bajulador não pensa assim, pois teme ser desmascarado: “(…), sentindo que, em comparação com um amigo verdadeiro, sólido e de boa índole, se reconhecerá como ele é frívolo, falso e trapaceiro (...)”. Nesse contexto, tenta afastar os amigos do bajulado. Quando não consegue, finge bajulá-los enquanto semeia calúnias e fomenta intrigas.
 
É nossa boa impressão sobre nós mesmo, insiste o autor, uma das causas que nos torna vulneráveis à bajulação. Convém acalentar o hábito de considerar nossas faltas, nossos erros, atentarmo-nos à autocrítica e às críticas apontadas com franqueza pelo amigo, quando agimos mal.
 
Por outro lado, se queremos ser amigos e não bajuladores dos demais, é preciso compreender o tipo de franqueza que os distingue.
 
A franqueza deve ser moderada, pois: “Se é vergonhoso tornar-se bajulador procurando agradar, não o é menos entregar-se, para evitar a bajulação, a uma franqueza imoderada, que destrói a amizade e a solicitude”. Pronunciar palavras mordazes a um homem infeliz, longe de curar ou aliviar seu mal (preocupação de um amigo), extenua-se um coração já magoado e, aquele que pensa que dizer injúrias é falar com franqueza, não passa de um grosseiro, diz Plutarco.
 
Enquanto a discreta franqueza que prodigaliza uma lição moral é do domínio da amizade e da nobreza – “(...) impossível resistir a uma franqueza cuja doçura dê mais peso à advertência” –, as censuras frias revelam estreiteza de espírito. A prepotência deve ser excluída da franqueza: “(...) devemos, de alguma maneira, varrer todo traço de insolência, ridículo, gracejo ou zombaria (…) a franqueza pode admitir habilidade e elegância, contanto que a benevolência preserve a dignidade (...)”.
 
Ocasião favorável para usar de franqueza com um amigo é aquela em que ele se torna humilhado e embaraçado pelas censuras que outros lhe fizeram a respeito de seus erros.
 
Mas, para tanto, necessita-se de autoridade moral. Plutarco ensina que, se um homem frívolo e sem valor moral se põe a falar com franqueza, pode-se objetar: “Todo coberto de pústulas, queres cuidar dos outros?”.
 
Sensível, o autor diz que uma alma afetada por uma paixão violenta não suporta franqueza demais. São as correções ditadas por um genuíno sentimento de benevolência e amizade que nos orientam e confortam.
 
Após delicada franqueza numa advertência ao amigo, evitemos findar a conversa com palavras mordazes que possam humilhá-lo, deixando-o à mercê de sofrimentos. Solidário, o verdadeiro amigo jamais nos abandona.
 
 



Último "Curso de Mitologia Grecoromana" do ano: dias 22 e 23 de novembro.

2 comentários:

Alexandre Lourenço disse...

Oi Luciene. Achei sua postagem sobre Plutarco e gostei muito. Estou citando vc e transcrevendo um trecho pequeno para uma postagem no Facebook.
parabéns pelo blog.

Alexandre

Unknown disse...

Fantástico amei ler.

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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

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As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

Busque sempre a excelência!

TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

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O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

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