"Não se trata somente de união sexual, mas de 'uma coisa' que a alma de um quer da alma do outro". Platão
Indômita potência, inspirador de virtudes, a divindade mais antiga, eterno, universal, pois presente em todo cosmos, belo e jovem, o amor é a busca pela unidade e também um tipo de delírio.
Especialmente neste mês dos namorados, insisto no poder que o amor possui. Segundo Platão, o amor é fruto de Póros e Penia (abundância e falta). Tendo isso em mente é compreensível o afã de encontrar uma alma que nos complete.
Eis o sonho de todos aqueles nos quais um coração pulsa, bombeando sangue até o último suspiro. De onde vem essa ideia (ou sensação, se preferir) de incompletude? Como a mitologia grega explica a existência de almas gêmeas? É algo somente casais heterossexuais?
Um dos mitos gregos que ilustra bem a condição da busca pela alma gêmea é o proferido pelo comediógrafo Aristófanes, no início da obra "O Banquete" (sobre o Amor), de Platão.
No famoso mito dos andróginos, os seres humanos, inicialmente, eram de três tipos: homem, mulher e andróginos. E também eram duplicados (dois em um só) e unidos pelo umbigo. Tínhamos então, dois homens "colados"; duas mulheres também unidas e, por fim, o terceiro tipo, os andróginos, juntos e de sexo opostos.
Reza o mito que Zeus, o soberano do Olimpo, observa-os e constata que são muito presunçosos, autossuficientes, felizes. Foi então que, preocupado e temendo que resolvessem escalar os céus e investir contra os deuses, decide enfraquecê-los dividindo-os ao meio para que, na busca desesperada por sua "outra metade" esqueçam do poder que possuem.
Eventualmente, quando qualquer um desses três tipos encontrava sua outra metade ficava tão embasbacada e feliz que não faziam mais nada a não ser pensar no ardor de se fundirem novamente: enlaçavam-se com seus pares e não se desgrudavam.
Ficavam inertes, pois nada queriam fazer longe um do outro. Resultado: ao menos um, morria de inanição. E o que sobrevivia, tornava a buscar novamente uma outra "metade".
Foi então que Zeus, o ordenador do Cosmos, tomado de compaixão, temendo que se dizimassem, mudou-lhes o sexo para a frente, para que pudessem gerar novos seres.
Segundo esse mito, o amor entre almas gêmeas ocorre quando se encontra no outro uma parte que seja igual, idêntica àquilo que já se possui em si mesmo.
Predileções sexuais à parte, o amor entre os iguais (homói) é de uma ordem de ideias, de interesses comuns, e o grego hierarquizava o amor, colocando o amor espiritual acima do amor físico, sensual, carnal, por isso o amor platônico (ideal) é, nesse sentido, perfeito.
Não há como afirmar a existência de uma única alma gêmea. Polítropos, seres humanos são multifacetados e, ao antropomorfizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características humanas, não fizeram mais do que retratar a si mesmos, em seus múltiplos anseios.
Os encontros e desencontros fazem parte do que se denomina "aspectos das divindades". E como são diversos esses aspectos!
Há a divindade do erotismo, presidido pela deusa Afrodite e seu filho Eros (Vênus e Cupido), a divindade do matrimônio, deusa Hera (Juno), a presidir os amores legítimos, a divindade da desordem, do caos, do bacanal, da orgia, que é encabeçado por Dioniso (Bacco), o deus do vinho e do êxtase, e muitos outros.
Todos eles fazem parte de nossa psyché (Alma) e, certamente, existem almas que, num determinado momento de nossas vidas, estarão sendo "mais gêmeas" com a nossa alma que qualquer outra.
E, uma das coisas que nossa alma gêmea tem a nos ensinar, certamente é sobre nós mesmos: "Semelhante atrai semelhante", afirma o inglês estudioso de magia do século XVII, Sir James Frazer em "O Ramo de Ouro".
Essa "alma gêmea" nos faz falta porque Eros, que personifica o poder de união, que é a maior dýnamis, potência do universo é dos deuses mais antigos e a tendência (do grego, pathós) do ser humano é se unir a outro alguém.
Obviamente, quando essa tendência se dirige a uma pessoa de forma muito insistente, ela se torna uma patologia, ou seja, uma doença. E doença do coração, da alma, só se cura com a lucidez da razão.
Sem dúvida, a primeira condição para que encontremos "alma gêmea" é que estejamos realmente ansiosos e dispostos a isso. Para exemplificar como essa sintonia e reencontro de almas pode acontecer, recorramos ao grande poeta Hesíodo (600a.C), que em sua obra "Teogonia" esclarece que Zeus é kydistos, pois possui o "Kydós".
A palavra grega Kydós (variação de Niké, que é vitória) é uma derivante de Kleós (glória) é, portanto, um dos atributos de Zeus. Num combate entre dois guerreiros, àquele no qual Zeus encontraste o kydós (a marca da vitória) era destinado vencer, ou seja, o vencedor já até sabia que sairia vitorioso da batalha porque trazia a vitória dentro de si.
Do mesmo modo, estamos na vida como entidades livres, leves e soltas. A partir do momento em que acalentamos o interesse amoroso, o desejo de união em nós, certamente isso será captado e apreendido por alguém que também esteja se sentindo desejoso de amor. Eis o segredo! Ou melhor, não há segredo.
Convém esclarecer ainda que, embora esteja assentado para o senso comum que o amor platônico é o amor ideal e perfeito, ele é também irrealizável. Ao menos por um tempo muito longo: o amor platônico se dá no campo mental, na idealização do ser amado. Acontece que tudo isso é muito lindo e maravilhoso no campo das ideias mesmo.
No entanto, a realidade é que vivemos aqui na terra, sujeitos às mudanças, aos humores e à corrupção de Chronos (Saturno, o deus do Tempo). Somos perecíveis, enrugamos, envelhecemos, a perfeição se esvai com o tempo.
Mas isso não significa, obrigatoriamente, o fim do amor. Daí a necessidade de se ter maturidade para manter constância em cultivar o amor, não somente do corpo, mas sobretudo da Alma. E vale a pena. Até porque, na condição de mortais, como afirma Platão, será a ação (do Amor) o que garantirá alcançarmos a imortalidade que nos é possível.
Com estima e consideração para o querido amigo Anthony Majanlahti.
Luciene Felix Lamy
Professora de Filosofia e Mitologia Greco-romana
WhatsApp (13) 98137-5711
2 comentários:
Spot on with this write-up, I truly assume this website wants way more consideration. I’ll in all probability be again to learn much more, thanks for that info. slots for real money
Excelente texto.
Postar um comentário