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2 de mar. de 2015

Renascimento: Giotto e a traição de Judas


 O pior tipo de estranho é aquele que um dia você tanto conheceu”.

Estamos na Idade Média (séc. XII), a Igreja exerce forte influência sobre tudo e sobre todos. Dinheiro, prestígio, poder, quem quer que detivesse ou almejasse isso estava - de alguma forma - ligado a ela.

Sendo assim, a produção das obras de arte passam por seu crivo. A arte da antiguidade clássica era considerada profana, a nudez, os temas pagãos (mitologias e alegorias) estavam proibidos e os artistas medievais, patrocinados por ela, empenhavam-se a fim de promover os ensinamentos cristãos.

Havia um caráter funcional na arte, pois a maioria da população era analfabeta e, até mesmo na elite, somente uma pequena parte era letrada. E foi com a intenção de instruir o povo sobre as histórias bíblicas, para que pudessem contemplar e conhecer as criações de Deus, incorporando os valores de seus ensinamentos, que foram criados mosaicos, afrescos, pinturas e esculturas decorativas das capelas, igrejas e catedrais.

É desse bojo que desponta o prenúncio do período áureo que, no estudo da Arte, denominamos “Renascimento”. Embora existam diversas formas de estudá-lo, a maioria adota a divisão do movimento renascentista em três partes: o Trecento (séc. XIV), transição da arte bizantina para a renascença que floresce pelas pioneiras mãos de Giotto di Bondone; o Quatrocento (séc. XV), fase áurea do período e o Cinquecento (séc. XVI), fim do Renascimento e transição para o Maneirismo e o Barroco.

É sobre o Trecento, que deu seus primeiros passos em Florença, que iremos nos debruçar. Florença era polo político, econômico e cultural da região e esse panorama propiciou e promoveu o desenvolvimento das atividades de mecenato (patrocínio) e a produção de grandes obras de arte.

A influência dos pensamentos revolucionários da época, pautados pelo que hoje chamamos humanismo e antropocentrismo, posicionando o homem como “o centro do universo”, além de novos estudos e descobertas, tanto nas artes quanto nas ciências, começam a modificar as formas de representações artísticas em geral. É também nessa época que surgem os novos formatos de texto, como os ensaios e as biografias.

Para a execução de uma obra do Antigo ou do Novo Testamento, o pintor do Trecento (considerado mais um artesão, um simples operário do que um artista criador propriamente) ainda era orientado e seguia as regras de como deveria representar os personagens, quais elementos deveria destacar ou distinguir. 

Como ainda não havia o recurso da perspectiva crônica, os elementos mais importantes eram colocados como as maiores figuras do quadro, centralizadas e as demais, em tamanho menor, mas tudo muito “chapado”.

Giotto di Bondone é considerado o fundador de toda pintura moderna e o pai da renascença italiana porque – revolucionário – sua arte rompeu com o estilo linear da era bizantina, libertando a pintura das formas regulares e quase geométricas desse período.

Inovador, Giotto começa a pintar as figuras humanas com aspectos individuais e em situações banais do cotidiano, rompendo com a postura solene e explicitamente hierárquica que até então existia. 

Ele foi o primeiro a quebrar as regras e impressionar pela busca do naturalismo das formas. Talvez nenhum outro artista da Renascença tenha sido mais honesto no esforço de ser simples, direto e o mais verdadeiro possível na descrição da cena, fazendo com que sejamos dominados pela realidade do acontecimento.

Ele ainda não alcançava a representação quase fotográfica (e até em 3D) de seus sucessores do Renascimento (tais como Sandro Botticelli, Leonardo Da Vinci, Michelangelo Buonarroti e Rafael Sanzio, por exemplo), mas em comparação à arte bizantina feita até então, sua ruptura e evolução é visivelmente espantosa.

Sobre sua vida, sabemos que Giotto Di Bondone nasceu em meados de 1267, na aldeia de Colle Vespignano, perto de Florença. Era apenas um jovem pastor de ovelhas que tinha como passatempo fazer esboços de seus animais, quando um grande mestre da arte, Cimabue, viu seus desenhos e o convidou a trabalhar em sua oficina.

Em pouco tempo o jovem superou o mestre e, em 1280 viajaram para Roma, onde Giotto conheceu o trabalho de Pietro Cavallini, o mais famoso pintor de afrescos da época. Inspirado, dentre as obras de sua fase inicial, o enorme crucifixo de cinco metros de altura, a série de pinturas da Igreja de Santa Maria Novella (em Florença) e os afrescos da Igreja de São Francisco (em Assis).

Muito apreciado pelo clero, Giotto executa uma série de afrescos (cores diluídas em água, aplicadas sobre o reboco ainda fresco) a pedido do Papa Bonifácio VIII, na Basílica de São João Latrão. Em Roma, a pedido do Cardeal Jacopo Stefaneschi, em 1311 faz o mosaico para a Basílica de São Pedro e uma Madona para a igreja de Todos os Santos, em Florença (os poderosos florentinos faziam questão de mantê-lo na cidade).

Em 8 de janeiro de 1337, aos 61 anos, Giotto di Bondone morre em Florença e é enterrado com honras incomuns para um pintor. Amigo de Dante Alighieri é também homenageado na “Divina Comédia”, em uma passagem do “Purgatório”, como o artista que superou o mestre.

Considerando que estamos na Quaresma, aproximando-nos da Páscoa, contemplemos o painel “o beijo de Judas”, na Capela Scrovegni (Pádua, no norte da Itália), onde Giotto nos convida a testemunhar esse momento crucial da vida Cristo: a traição do amigo.


A capela, dedicada à Virgem da Anunciação, foi erigida e decorada a pedido de Enrico Scrovegni entre os anos de 1303 e 1310, para servir como capela funerária da família e para tentar redimir os pecados do pai, conhecido agiota.


Conta-se que Enrico orgulhava-se de abri-la à visitação pública, exibindo a minuciosa decoração feita por Giotto. Como era de costume na arte bizantina, a abóboda das igrejas eram coloridas de azul e adornadas com estrelas douradas. 

O mestre dividiu seu interior em três faixas, com passagens do Antigo Testamento. Em 1304 o Papa Benedito XI concedeu indulgência a todas as pessoas que fizessem peregrinação até ela.


Na cena do “beijo”, rompendo com o convencionalismo estático e estereotipado de sua época, o artista deixa transparecer a fealdade (feiura) da traição no rosto de Judas e também o sentimento de força e coragem para se enfrentar esse desgosto, estampado na face de Cristo.

Os elementos desse quadro são reduzidos ao mínimo necessário para a narrativa. Acompanhados dos demais discípulos e também cercados pelos soldados, Cristo e Judas estão posicionados ao centro, encarando-se mutuamente, atraindo o foco da atenção.


Jesus é retratado em postura solene, seu semblante é digno e altivo, refletindo a seriedade desse atávico momento.

A genialidade de Giotto está em criar uma figura clara, que o olho lê com facilidade e a ação é entendida de imediato, transmitindo o pensamento e a emoção diretamente por meio das expressões faciais. 

Prossigamos desvendando o fantástico e inebriante mundo da arte Renascentista onde, na história, mesmo que a política e a economia ditem as regras, a genialidade dos artistas revela a sublime centelha divina da qual também somos feitos.
Luciene Felix Lamy
Professora de Filosofia e Mitologia Greco-romana da
Galleria Borghese, Roma
lucienefelix.blogspot.com
e-mail: mitologia@esdc.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!

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