“A
parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos”.
Platão
Desde quando iniciei a graduação em Filosofia na PUC-SP (2002), ao final de cada semestre tínhamos que escolher as disciplinas a cursar no próximo. Era praxe, nos intervalos, pelos corredores, sondarmos os veteranos buscando informações sobre os docentes.
Sobre
a Titular de Filosofia Antiga, a Profª Drª Rachel Gazolla de
Andrade, a resposta era unânime e categórica: “Competente, mas
muito exigente”. Ao aventar tê-la como orientadora, seja para um
TCC, Mestrado ou Doutorado, ironizavam dizendo que isso era buscar
“grife”. De fato, por conta da seriedade, seu nome tornou-se
paradigma de rigor científico e, até hoje, é essa a fama que a
precede.
Exigente,
sem dúvida, mas também generosa (éramos orientados a cursar o
grego ático, custeado por ela mesma aos que não dispunham de
recursos), compartilhando seus saberes aos privilegiados discípulos
dispostos a ouvir seu “lógos”.
O
estudo da Filosofia passa, necessariamente, pelo debruçar-se sobre a
Filosofia Antiga que, indispensável, constitui a base de todo
pensamento filosófico ocidental.
Eis
que, surpreendentemente, a admirável helenista, com mais de três
décadas de “casa”, detentora de vasta e relevante produção
acadêmica em pesquisas e docência na área de Filosofia Antiga,
editora da Revista Hypnos (classificação B1 no Qualis/Capes, com
mais de trinta números publicados), idealizadora e realizadora dos
Simpósios Interdisciplinares de Estudos Greco-romanos, evento
internacional, promovido anualmente, reunindo os mais renomados
helenistas (já na 21ª Edição), fundadora do Grupo de Estudos
Platônicos, reconhecida nacional e internacionalmente, a Profª Drª
Rachel Gazolla de Andrade, juntamente com outros 49 catedráticos,
foi demitida.
A
notícia nos deixou perplexos, indignados. Incrédulos, pensamos
tratar-se de um equívoco, um lamentável mal-entendido, pois à
dispensa de uma produtiva acadêmica, de indiscutível dedicação à
Cátedra, não encontramos justificativa.
Considerando
que o espanto é o que desencadeia o pensar, a filosofia, somos
levados a refletir sobre a perversidade de nosso sistema de governo
que, habituado a socorrer bancos e indústrias em crise – por
exemplo –, permanece, no entanto, alheio, desatento à importância
do apoio e do amparo às universidades.
Dentre
os inúmeros ensinamentos, aprendi que “excelência” (cumprir bem
àquilo para o qual se destina) em grego é “areté”. Que
a “areté” do médico é a cura; a do olho, enxergar bem;
a do guerreiro, a vitória e que a “areté” da empresa, é
o lucro. Sendo assim, qual é a “areté” da universidade?
Seu
“télos”, seu propósito basilar é a ciência, a
pesquisa, a formação de seres aptos a pensar e trabalhar pela
melhoria do mundo, tarefa que a doutora sempre exerceu com maestria,
mantendo acesa a chama do verdadeiro espírito socrático,
consolidando a excelência do Curso de Filosofia da PUC-SP.
A
contribuição que uma docente dessa estirpe traz à universidade e,
consequentemente à toda sociedade é intangível, inabarcável,
ainda mais depois de décadas compartilhando sua “philía à
sophia”.
Registro
meu respeitoso apelo aos dirigentes universitários para que não
seja comprometida a qualidade do corpo docente, até porque nesses
tempos tão sombrios em que vivemos, não podemos prescindir de
brilhantes e dedicados profissionais com os quais a universidade e
todos que dela se beneficiam direta e indiretamente, se engrandece.
Reduto
de liberdade onde se forma a elite intelectual de nosso país, não
podemos traficar a “ratio”, compactuando com a deplorável
decadência que, há tempos à espreita, bate à porta do ensino
superior, atingindo justamente o cerne de um dos mais nobres
componentes de nossa constituição político-social: a cátedra.
No
brasão da PUC-SP lê-se: “Sapientia et augebitur scientia”,
que em latim significa: “a sapiência e a ciência serão
aumentadas”. Que esse lema norteie a todos, constituindo um
legítimo símbolo de resistência, de enaltecimento do entendimento
e do humanismo.
Desejando
a todos feliz “Volta às aulas”, conclamo que não prescindamos
de erguermo-nos à luta por nossos ideais. Aliás, sempre foi sobre a
relevância do “ideal” que a Mestre tanto nos ensinou. À todos
os docentes, especialmente à ela, minha eterna gratidão.
Luciene
Felix Lamy
Professora
de Filosofia e Mitologia Greco-romana da
Galleria
Borghese, Roma
lucienefelix.blogspot.com
e-mail:
mitologia@esdc.com
Um comentário:
Lindo manifesto, Lu!
Qualquer demissão traz em si algo
de menosprezo. Sendo injustificável,
e, sobretudo, quando se trata da demissão de profissionais
capacitados, voltados para o
ensino-educação, é um verdadeiro absurdo.
Concordo!
Abç, MaVi
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