“Há tantas coisas no homem que infundem espanto!
A terra tem sido há muito tempo um asilo de dementes”. Friedrich Nietzsche
A terra tem sido há muito tempo um asilo de dementes”. Friedrich Nietzsche
"Educar a mente sem educar o coração não é educação". Aristóteles
"O mal que os homens fazem sobrevive a eles, mas o bem quase sempre é enterrado com seus ossos". William Shakespeare
O insolente homem do subsolo,
trazido por Dostoiévski, proclama que “todos os belos sistemas, todas essas
teorias para explicar à humanidade os seus interesses verdadeiros, normais – a
fim de que ela [a humanidade], ansiando inexoravelmente por atingir essas
vantagens, se torne de imediato bondosa e nobre” não passa de pura logística.
Astuto, afirma que somos tão
afeiçoados ao nosso sistema e à dedução abstrata que estamos prontos a deturpar
intencionalmente a verdade, a descrer de nossos olhos e ouvidos apenas para
justificar nossa lógica, adequando-a a nossa caprichosa vontade.
Em todas as nossas relações, quer sejam pessoais (amorosas, familiares ou de amizade) ou profissionais, quantas vezes não agimos e testemunhamos os outros agirem assim, de forma sorrateiramente
mal embasada, nebulosamente descabida? E, por quê?
Porque a razão, diz ele, é uma
coisa boa, não há dúvida, mas a razão é só razão e satisfaz apenas a capacidade
racional do homem, enquanto o ato de querer – a vontade –, constitui a
manifestação de toda a vida humana, com a razão e com todo o coçar-se, ou seja,
com tudo o mais que não se assenta em nenhuma razoabilidade.
Ele enfatiza que a nossa vida,
embora resulte muitas vezes em algo banal ou desprezível, é sempre a vida e não
apenas a extração de uma raiz quadrada: “Eu, por exemplo, quero viver muito
naturalmente, para satisfazer toda a minha capacidade vital, e não apenas a
minha capacidade racional (...). Que sabe a razão? Somente aquilo que teve
tempo de conhecer, enquanto a natureza humana age em sua totalidade, com tudo o
que nela existe de consciente e inconsciente (...)”.
Afirma que repetimos que é
impossível a um homem culto e desenvolvido (civilizado) querer conscientemente algo
desvantajoso para si, que isso é matemático, ou seja, lógico.
Mas, indaga:
“(...) o homem pode intencional e conscientemente desejar para si mesmo algo
nocivo (...) ter o direito de desejar para si mesmo algo muito estúpido, sem
estar comprometido com a obrigação de desejar apenas o que inteligente?”.
Concorda que isso é, de fato, um
capricho muito estúpido: “mas realmente, senhores, talvez seja para a nossa
gente, o mais vantajoso de tudo quanto existe na terra, sobretudo em certos casos.”.
É inegável que a glória vã nos inflama, do contrário, não nos vangloriaríamos
tanto.
E prossegue em seus argumentos:
“Talvez seja mais vantajoso que todas as vantagens, mesmo no caso de nos trazer
um prejuízo evidente de contradizer as conclusões mais sensatas da nossa razão,
a respeito de vantagens; pois, em todo caso, conserva-nos o principal, o que
nos é mais caro, isto é, a nossa personalidade e a nossa individualidade”.
Sobre a personalidade e a
individualidade tão caros para o homem, diz que, “a vontade pode, naturalmente,
se quiser, concordar com a razão
(...) isto é útil e, às vezes, até louvável. Mas a vontade, com muita
frequência e, na maioria dos casos, de modo absoluto e teimoso, diverge da
razão (...)”. É a essa notória discrepância
que ele atina.
O homem é de uma estupidez
fenomenal e, embora não seja de todo ignorante, é o ser mais ingrato que há no
mundo, acusa nosso homem do subsolo: “É ingrato numa escala fenomenal. Penso
até que a melhor definição do homem seja: um bípede ingrato [alusão à Platão,
que definira o homem como ‘bípede implume’]”.
Mas isto ainda não é tudo, esse
ainda não é nosso maior defeito. Nosso maior defeito, diz ele, é nossa permanente
imoralidade: “Sim, permanente, desde o Dilúvio Universal”.
Estúpidos, ingratos e,
constrangedoramente, imorais: “A imoralidade e, por conseguinte, também a falta
de bom senso, pois há muito tempo se sabe que essa [falta de bom senso] provém
unicamente da imoralidade”.
Roga que examinemos o que se dá a
todo o momento: “(...) surgem continuamente homens de bons costumes, sensatos,
sábios e amantes da espécie humana, que têm justamente como objetivo portar-se,
a vida toda, do modo mais moral e sensato, a iluminar, por assim dizer, com a sua pessoa, o
caminho para o próximo, e precisamente para demonstrar a este que, de fato, se
pode viver de modo moral e sensato. E então? É sabido que muitos desses amantes
da humanidade, cedo ou tarde, às vezes no fim da existência, traíram-se, dando
motivo a anedotas às vezes do gênero mais indecente até”.
Quem não conhece pessoas assim, acima
de qualquer suspeita, tragadas por vícios degradantes e abjetos, cujo alcance é
impossível mensurar?
É terrivelmente perspicaz esse
homem que nos fala do subsolo: “Pergunto-vos agora: o que se pode esperar do
homem, como criatura provida de tão estranhas qualidades? Podeis cobri-lo de
todos os bens terrestres, afogá-lo em felicidade (...); dar-lhe tal fartura, do
ponto de vista econômico, que ele não tenha mais nada a fazer a não ser dormir,
comer pão de ló e cuidar da continuação da história universal – pois, mesmo
neste caso, o homem, unicamente por ingratidão e pasquinada [sátira], há de
cometer alguma ignomínia [grande desonra, infâmia].”.
E diz mais: “Vai arriscar até o
pão de ló e desejar, intencionalmente, o absurdo mais destrutivo, o mais
antieconômico, apenas para acrescentar a toda essa sensatez positiva o seu
elemento fantástico e destrutivo. Desejará conservar justamente os seus sonhos
fantásticos, a sua mais vulgar estupidez, só para confirmar a si mesmo (como se
isso fosse absolutamente indispensável) que os homens são sempre homens e não
teclas de piano (...)”.
Não há lógica, bom senso, ciência
ou matemática que aprume, que corrija o homem: “(...) ainda assim ele não se tornaria
razoável e cometeria intencionalmente alguma inconveniência, apenas por
ingratidão e justamente para insistir na sua posição (...) no que é seu!”.
O fato é que nossa vontade –
livre – nem sempre coincide com “interesses normais, com as leis da natureza e
com a aritmética”, e bradamos: “ninguém me priva da minha vontade!”, por isso
reivindicamos absoluta e total liberdade.
Não nos iludamos pensando e apostando que todo esse anseio por liberdade seja exclusiva e somente para o Bem, mas para tudo, absolutamente tudo o que nos "der na telha".
“Quereis, por exemplo,
desacostumar uma pessoa dos seus velhos hábitos e corrigir-lhe a vontade, de
acordo com as exigências da ciência e do bom senso. (...) De onde concluís que
à vontade humana é tão indispensavelmente necessário corrigir-se?”, indaga o
infeliz. “Por que estais tão certamente convictos de que não ir contra as
vantagens reais, normais, asseguradas pelas conclusões da razão e pela
aritmética, é de fato sempre vantajoso para o homem (...)?”.
Afirma que é indiscutível que o
homem gosta de criar e de abrir estradas, mas também ama, apaixonadamente, a
destruição e o caos.
Dostoiévski nos fala com
propriedade sobre o inconsciente: “Existem nas recordações de todo homem coisas
que ele só revela aos seus amigos. Há outras que não revela nem mesmo aos
amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em segredo. Mas também há,
finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até a si próprio, e, em
cada homem honesto, acumula-se um número bastante considerável de coisas no
gênero”.
Salienta que, talvez não
interesse ao homem a prosperidade, mas anseie pelo sofrimento, por, de algum
modo, este lhe parecer vantajoso: “(...) espancar a nós mesmos (...) infunde
ânimo”. Não, definitivamente, isso não é coerente.
E, no entanto, há quem nos
relate suas dificuldades, suas mazelas e aflições com indisfarçável orgulho por seus
sofrimentos.
Não somos somente lógica,
coerência e razão. Sensíveis, acalentamos sentimentos, temos também coração, bem caprichoso. Como afirmara o poeta inglês, William Shakespeare: "O coração tem razões que a própria razão desconhece".
E quando obscurecido pela perversão, falta pureza: “(...) e, sem um coração
puro, não pode haver consciência plena, correta”, aponta Fiódor Dostoiévski. É a ele que precisamos educar.
Convite para a próxima 6ª feira (confirme presença: mitologia@esdc.com.br)
Obs.: Me parece que não se usa mais o itálico nos trechos transcritos, mas prefiro mantê-los para facilitar a identificação.
Um comentário:
Estou lendo. Vamos ver ao que chego.
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