“A morte só
pertence a Deus! Com que direito os homens põem a mão nessa coisa
desconhecida?” Victor Hugo, em Os Miseráveis.
Victor
Hugo (1802-1885) é considerado o maior escritor francês do séc.
XIX. Em 1829, com 27 anos, ele publica o que afirma ser um manifesto
contra a pena de morte: “Le Dernier jour d'un condamné”. Mesmo
os familiarizados com as tragédias, concordarão que essas linhas
guardam os pensamentos mais dilacerantes com os quais já nos
deparamos.
Segundo Bénédicte Houart, a grande repercussão dessa obra contribuiu para que Portugal fosse o primeiro país europeu a abolir a pena de morte, em 1876. Victor Hugo se congratulou: “felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa (…). A Europa imitará Portugal. Morte à Morte! (…) A liberdade é uma imensa cidade da qual todos somos concidadãos”.
Segundo Bénédicte Houart, a grande repercussão dessa obra contribuiu para que Portugal fosse o primeiro país europeu a abolir a pena de morte, em 1876. Victor Hugo se congratulou: “felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa (…). A Europa imitará Portugal. Morte à Morte! (…) A liberdade é uma imensa cidade da qual todos somos concidadãos”.
“Condenado
à morte!”.
É
com essa dramática sentença que Hugo inicia sua obra
para, logo a seguir, nos fazer adentrar a
psique do infeliz que, outrora, era um homem cheio de vida: “Cada
dia, cada hora, cada minuto trazia consigo uma ideia nova (...).
Entretinha-se desenvolvendo-as umas após outras, sem ordem e sem
objetivo, bordando com arabescos inesgotáveis esse rude e frágil
tecido de vida (...). Podia pensar no que quisesse, era livre.”
Tão livre quanto nós.
O relato abarca as seis semanas que antecedem a degola. Atordoado por portentoso sofrimento psíquico, o condenado tenta amenizar o inaceitável absurdo de estar ciente de sua hora, aventando sobre quantos, sem o saber, não morrerão antes dele, quantos não caminham e respiram e, no entanto, passarão à sua frente, para depois reconhecer no funesto, o abominável de sua situação.
Limitado à calamitosa condição de prisioneiro, conversa com os outros detidos, que lhe ensinam a falar o calão (gíria dos ladrões e criminosos): “É uma linguagem [de] (…) palavras estranhas, misteriosas, feias, sórdidas (...)”. Alguns desses termos chulos são falados até hoje. Mas, embora berço e linguagem os distinguisse, a solidariedade o comovia, pois sabia que esses homens eram os únicos que se apiedavam dele.
Imbuído de articular para si mesmo o angustiante tormento que vivencia, escreve suas memórias de condenado, como diz, inacabadas, mas nem por isso incompletas: “Não haverá nesse corpo a corpo do pensamento agonizante, nessa progressão aritmética da dor, nessa espécie de autópsia intelectual de um condenado, mais do que uma lição para aqueles que julgam e condenam? Talvez que a sua leitura lhes torne a mão menos ligeira quando se tratar outra vez de atirar um corpo pensante, uma cabeça humana, para aquilo que eles chamam a balança da justiça?”.
Questiona se os ‘operadores’ da justiça “teriam refletivo sobre essa lenta sucessão de torturas que a expedita formulação de uma condenação à morte encerra”, se teriam meditado haver nesse homem que despedaçam “(...) uma alma que não se preparou para morrer”.
O cérebro do condenado à morte agoniza a cada linha é sua tortura é de magnitude tal, que nos faz invejar a condição dos condenados aos trabalhos forçados na prisão perpétua.
Sabe que deixará a mãe, mulher e filhinha ainda pequena. Admite que esteja a ser punido com justiça, mas ignora o que essas “três viúvas pela lei”, fizeram para merecer tal infortúnio.
Fica indignado com a postura algo vaga, fria e formal com que todos veem aos condenados. Nem mesmo o titular capelão da prisão se exime desse distanciamento: “Mas o que me diz esse ancião? Nada de sentido, nada de carinhoso, nada de emocionado, nenhum derrame da alma, nada que se soltasse do seu coração e se dirigisse para o meu, nada que nos tornasse um do outro cúmplices”.
Conclui que esse comportamento deve-se ao fato de já estar acostumado ao que faz estremecer os outros, que já envelheceu a encaminhar homens para a morte e que por isso tudo é mecânico.
Anseia por uma alma sensível, por um padre ‘comum’ que compreenda: “Há um homem que está prestes a morrer, e é preciso que sejais vós a confortá-lo. É preciso que estejais presente quando lhe atarem as mãos, quando lhe cortarem o cabelo; que subais para a carroça com o vosso crucifixo para lhe esconder da vista o carrasco (...); que o abraceis no degrau do cadafalso, e que permaneçais junto dele até que sua cabeça e o seu corpo jazam cada qual para seu lado”.
Victor Hugo nos comove: “Então, que mo tragam, de coração a palpitar, a tremer da cabeça aos pés; que me atirem para os seus braços, que me ponham de joelhos a seus pés; e ele há de chorar, e havemos de chorar ambos, e ele será eloquente, e eu sentir-me-ei reconfortado, e o meu coração, demasiado cheio, esvaziar-se-á no seu, e ele tomará a minha alma em suas mãos, e eu abraçarei o seu Deus”.
O relato abarca as seis semanas que antecedem a degola. Atordoado por portentoso sofrimento psíquico, o condenado tenta amenizar o inaceitável absurdo de estar ciente de sua hora, aventando sobre quantos, sem o saber, não morrerão antes dele, quantos não caminham e respiram e, no entanto, passarão à sua frente, para depois reconhecer no funesto, o abominável de sua situação.
Limitado à calamitosa condição de prisioneiro, conversa com os outros detidos, que lhe ensinam a falar o calão (gíria dos ladrões e criminosos): “É uma linguagem [de] (…) palavras estranhas, misteriosas, feias, sórdidas (...)”. Alguns desses termos chulos são falados até hoje. Mas, embora berço e linguagem os distinguisse, a solidariedade o comovia, pois sabia que esses homens eram os únicos que se apiedavam dele.
Imbuído de articular para si mesmo o angustiante tormento que vivencia, escreve suas memórias de condenado, como diz, inacabadas, mas nem por isso incompletas: “Não haverá nesse corpo a corpo do pensamento agonizante, nessa progressão aritmética da dor, nessa espécie de autópsia intelectual de um condenado, mais do que uma lição para aqueles que julgam e condenam? Talvez que a sua leitura lhes torne a mão menos ligeira quando se tratar outra vez de atirar um corpo pensante, uma cabeça humana, para aquilo que eles chamam a balança da justiça?”.
Questiona se os ‘operadores’ da justiça “teriam refletivo sobre essa lenta sucessão de torturas que a expedita formulação de uma condenação à morte encerra”, se teriam meditado haver nesse homem que despedaçam “(...) uma alma que não se preparou para morrer”.
O cérebro do condenado à morte agoniza a cada linha é sua tortura é de magnitude tal, que nos faz invejar a condição dos condenados aos trabalhos forçados na prisão perpétua.
Sabe que deixará a mãe, mulher e filhinha ainda pequena. Admite que esteja a ser punido com justiça, mas ignora o que essas “três viúvas pela lei”, fizeram para merecer tal infortúnio.
Fica indignado com a postura algo vaga, fria e formal com que todos veem aos condenados. Nem mesmo o titular capelão da prisão se exime desse distanciamento: “Mas o que me diz esse ancião? Nada de sentido, nada de carinhoso, nada de emocionado, nenhum derrame da alma, nada que se soltasse do seu coração e se dirigisse para o meu, nada que nos tornasse um do outro cúmplices”.
Conclui que esse comportamento deve-se ao fato de já estar acostumado ao que faz estremecer os outros, que já envelheceu a encaminhar homens para a morte e que por isso tudo é mecânico.
Anseia por uma alma sensível, por um padre ‘comum’ que compreenda: “Há um homem que está prestes a morrer, e é preciso que sejais vós a confortá-lo. É preciso que estejais presente quando lhe atarem as mãos, quando lhe cortarem o cabelo; que subais para a carroça com o vosso crucifixo para lhe esconder da vista o carrasco (...); que o abraceis no degrau do cadafalso, e que permaneçais junto dele até que sua cabeça e o seu corpo jazam cada qual para seu lado”.
Victor Hugo nos comove: “Então, que mo tragam, de coração a palpitar, a tremer da cabeça aos pés; que me atirem para os seus braços, que me ponham de joelhos a seus pés; e ele há de chorar, e havemos de chorar ambos, e ele será eloquente, e eu sentir-me-ei reconfortado, e o meu coração, demasiado cheio, esvaziar-se-á no seu, e ele tomará a minha alma em suas mãos, e eu abraçarei o seu Deus”.
Durante
toda via-crúcis rumo ao cadafalso, não escapa ao aflito nenhum
detalhe de tudo o que, pela última vez seus olhos podem enxergar. Ao
ouvir os festivos “comerciantes de sangue
humano”, ávidos em negociar lugares para o
horrendo espetáculo: “Quem quer um
lugarzinho? Quem quer um lugarzinho?”,
sentiu raiva e teve vontade de gritar-lhes: “E
quem quer o meu?”.
Após o término da ‘toilette do condenado’, ao se deparar o clamor da multidão, “um mar de cabeças na praça”, pondera que “Por mais que um rei fosse amado, a festa não seria tão grande”. Tomado de incredulidade, confessa ter sido para esse temido momento que tinha tentando guardar todo o seu sangue-frio.
Estava preparado, mas não estava pronto: “Esta multidão na qual todos me conhecem e eu não conheço ninguém.... É uma sensação insuportável esse peso de tantos olhares sobre nós”.
Ao avançar pelo pátio atulhado da populaça que ria e batia os pés na lama, sentiu-se “violentamente conquistado pelo terror. Receei desfalecer, ó última vaidade! Então, atordoei-me voluntariamente, para estar cego e surdo a tudo, exceto ao padre (...). Ó meu Deus, tende piedade de mim (...)”.
Ao ver um magistrado que acabara de chegar, uniu as mãos e arrastando-se de joelhos, implorou que o agraciasse: “A minha graça! A minha graça! Repeti, ou, por piedade, só mais cinco minutos”.
Em desespero: “Estou sozinho. – Sozinho com dois policiais. Oh! O povo horrível com os seus gritos de hiena! Quem sabe não lhe escaparei? (...) É impossível que não me concedam uma graça! Ah! Miseráveis!”. Pressente... O carrasco sobe a escada.
Mesmo cônscios de que por trás de todo berço existe um túmulo, ignorar o quando de nosso último suspiro constitui indicativo incontestável da benevolência divina.
Após o término da ‘toilette do condenado’, ao se deparar o clamor da multidão, “um mar de cabeças na praça”, pondera que “Por mais que um rei fosse amado, a festa não seria tão grande”. Tomado de incredulidade, confessa ter sido para esse temido momento que tinha tentando guardar todo o seu sangue-frio.
Estava preparado, mas não estava pronto: “Esta multidão na qual todos me conhecem e eu não conheço ninguém.... É uma sensação insuportável esse peso de tantos olhares sobre nós”.
Ao avançar pelo pátio atulhado da populaça que ria e batia os pés na lama, sentiu-se “violentamente conquistado pelo terror. Receei desfalecer, ó última vaidade! Então, atordoei-me voluntariamente, para estar cego e surdo a tudo, exceto ao padre (...). Ó meu Deus, tende piedade de mim (...)”.
Ao ver um magistrado que acabara de chegar, uniu as mãos e arrastando-se de joelhos, implorou que o agraciasse: “A minha graça! A minha graça! Repeti, ou, por piedade, só mais cinco minutos”.
Em desespero: “Estou sozinho. – Sozinho com dois policiais. Oh! O povo horrível com os seus gritos de hiena! Quem sabe não lhe escaparei? (...) É impossível que não me concedam uma graça! Ah! Miseráveis!”. Pressente... O carrasco sobe a escada.
Mesmo cônscios de que por trás de todo berço existe um túmulo, ignorar o quando de nosso último suspiro constitui indicativo incontestável da benevolência divina.
Quando
Victor Hugo veio a falecer, em 22 de maio de 1885, cerca de um milhão de
pessoas acompanharam seu cortejo fúnebre, em Paris.
Sugiro que assistam ao vídeo sobre a obra: http://vimeo.com/30504904
E que realmente desfrutem dessa magnífica obra, preferencialmente ao som de Korsakov:
Último
"Curso de Mitologia Grecoromana" do ano: dias
22 e 23 de novembro.
Para mais informações:
http://esdc-idc.webstorelw.com.br/products/curso-presencial-de-mitologia-greco-romana
3 comentários:
belo texto Lú!
agora com trilha sonora...
o ultimo verso de "homens ocos"de T.S> Elliot diz assim:
Assim termina o mundo...
não como um clarão, mas com um suspiro...
bjs
jcw
Muito bom como sempre, do seu fã Giuseppe Trigueiro
Legal estou lendo o livro e é muito bom
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