Julie Andrews (1935) interpretando a deusa Tétis, mãe do herói Aquiles, no filme Tróia.
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Minha área é Filosofia que, em
seus primórdios, entrelaça-se com a mitologia grega.
Quando me debrucei sobre “O
Banquete (sobre o Amor)”, de Platão (AQUI), ressaltei: “não é um só”,
objeta Pausânias (um dos convidados) que, cingindo a unidade do Amor,
subdivide-o (não os excluindo) e hierarquiza-os imediatamente (sim, o lógos hierarquiza!):
Afrodite não é só uma, há a mais velha, Urânia (Celestial) e
a Pandêmia (pan = todos e demos = povos). Nesta última [os
homens], amam mais o corpo que a alma.
Inevitavelmente, a mais poderosa divindade, Afrodite
Pandêmia (a popular, a vulgar) é vencida pelo tempo (Chronos/Saturno), seu temido, invencível e fiel inimigo, obviamente, perde seu poder:
“Com efeito, ao mesmo tempo em que cessa o viço do corpo, que era o que ele amava “alça ele o seu voo” (aqui é Platão citando o aedo/poeta Homero), sem respeito a muitas palavras e promessas feitas.
“Com efeito, ao mesmo tempo em que cessa o viço do corpo, que era o que ele amava “alça ele o seu voo” (aqui é Platão citando o aedo/poeta Homero), sem respeito a muitas palavras e promessas feitas.
Bom é o amante do caráter,
que é constante por toda a vida, porque se fundiu com o que é
constante”.
Pausânias revela, então, duas
formas da deusa do amor e da beleza: Afrodite
Urânia, associada ao eterno, imortal e Afrodite Pandêmia ao transitório, mortal.
Ambas são
necessárias, embora sucumbir, dando ênfase à Pandêmia (corpórea, sensível,
carnal), desvirtue a pólis (cidade).
Essa Paidéia (pedagogia) tinha no horizonte o desencadeamento da mais famosas das guerras, a de Tróia.
Essa Paidéia (pedagogia) tinha no horizonte o desencadeamento da mais famosas das guerras, a de Tróia.
Postulando sobre a questão da
velhice, especificamente no que tange às Afrodites na faixa dos 50+ (outrora
mais pandêmias, hoje, infelizmente, nem sempre Urânias) a abrangência que essa
questão suscita é vasta, pois há o viés filosófico, mitológico, biológico,
psíquico (psicanalítico), econômico, cultural, estético, literário,
antropológico, midiático, etc. Eis aqui, nosso breve recorte.
Mas, antes, uma piada:
Como não envelhecer? Esquece,
pede outra coisa. Aceita que dói menos. Bem, na verdade vai doer de qualquer
forma.
Envelhecer é vislumbrar o
crepúsculo, é ir despedindo-se da vida. Daí o medo, a paúra em testemunhar a
decrepitude do corpo. Mas nosso “canto do cisne”, único, pessoal, intransferível
pode ser belíssimo!
Das sujeitas à alteração de
Chronos (o deus do Tempo, na mitologia grega; Saturno, na romana), ou seja,
TODAS NÓS, MORTAIS, a perda de PODER (cujo objeto simbólico é o “falo”) é causa
das maiores angústias.
Psicanaliticamente falando,
mulher no lugar da “falta” e homem no lugar da “potência” (dynamis).
Não é de hoje que o prêmio
(poder) se dá através do homem (força, afirmação, virilidade), e o processo de
envelhecimento exige um realocamento dessa
fonte de poder.
Atentar a esse mecanismo liberta de nos sentirmos reféns do
índice de desejabilidade, nos elevando a outro patamar, ao não menos poderoso terreno da serenidade e da suprema sabedoria: ao
de Afrodite Urânia.
Inegavelmente, somos todos
escravos da beleza, tanto que, à revelia, o belo atrai, o belo catalisa, é
magnético, é quem “manda” em nosso olhar.
Seja o belo concreto de uma mulher, um cavalo ou uma panela (lembrando
Sócrates) e/ou o belo de um ideal
(que por métexis, participam a
mulher, o cavalo e a panela), o belo de um sentimento ou de uma atitude.
O belo, sobretudo a beleza da
juventude, traz em seu bojo, além da “promessa
de felicidade” proustiana, o claro indício da capacidade natural (e
sobrenatural!) de criar novas vidas, portanto, é notório o poder oriundo da
potencial fertilidade feminina. Utilitaristas que somos, o que não gera é
inerte.
No entanto, voltando ao Banquete,
recordemos as palavras da sábia sacerdotisa Diotima da Mantinéia: há geração
nos corpos e geração nas almas!
São diversos os arquétipos
(comandos principiais que servem de modelo) primordiais: a Terra (Gaia), a
Grande Mãe, a Sábia, a Desbravadora, a Sedutora, a Guardiã do fogo sagrado,
etc.
O empoderamento feminino, seja
por conta da beleza, da astúcia (ou de ambos) é antigo: Eva, Nefertiti, Helena,
Cleópatra, as bíblicas Maria Madalena, Judite e Salomé, as estadistas Golda
Meir, Margareth Thatcher e Ângela Merkel, além das mitológicas Afrodite
(Vênus), Athena (Minerva) e Hera (Juno), soberana do Olimpo.
Enquanto viventes, estamos atreladas
ao nosso corpo, mortal, sujeito à corrupção de Chronos (o Tempo devora tudo o
que cria) e ele, o corpo, é também condição “sine qua non”
para que nos manifestemos.
É dos argumentos a favor da aceitação (que pode ou não
ser precedida por negação, raiva e barganha) dos efeitos da decrepitude neste corpo
que ponderamos.
Pois bem, considerando que este
corpo é veículo perecível e que após meio século de vida (tenho no horizonte a
expectativa de vida em torno de 80 anos) os sinais de Geres (a velhice) vão se
intensificando e se impondo, cabe a nós, fazendo uso da “ratio” (razão), ponderarmos sobre a ressignificação que a manifestação deste corpo – no tempo, no
espaço – requer, que pode vir a ter.
Sim, analógicas e digitais, além de vivenciarmos o que foi "cair a ficha" nos orelhões das esquinas da vida, temos Instagram, um armário abarrotado, além dessas décadas "extra"!
Talvez ainda não estejamos sabendo lidar muito bem com isso. "Nada em excesso", roga o frontispício do Oráculo do deus Apolo, em Delfos.
Sim, analógicas e digitais, além de vivenciarmos o que foi "cair a ficha" nos orelhões das esquinas da vida, temos Instagram, um armário abarrotado, além dessas décadas "extra"!
Talvez ainda não estejamos sabendo lidar muito bem com isso. "Nada em excesso", roga o frontispício do Oráculo do deus Apolo, em Delfos.
É mais comum uma jovem de trinta
anos achar-se “velha” (coisas do 1º Regresso de Saturno) que uma senhora de 50+ aceitar interditos à sua faixa
etária.
Ageless é o nome da nova onda que, se não estiver sob o escrutínio do bom senso revelará algo de forçosamente hipócrita ou fake.
Ageless é o nome da nova onda que, se não estiver sob o escrutínio do bom senso revelará algo de forçosamente hipócrita ou fake.
Convém discernimento para separar
o joio do trigo: ageless é grande
conquista para o emprego de todo esse gás (Nietzsche denominou de “vontade de
potência”) que ainda dispomos, para adotarmos o confortável (jamais desleixado)
estilo normcore (código de vestir “normal”),
atentar ao mindfulness e se
reinventar desbravando novos mundos, na medida do possível.
Como todo e qualquer pharmakón, ageless é um bom paliativo (bora dropar essa onda!), uma vez que Thánatos não tem cura.
No mundo pós-moderno, nossas
ações não se resumem mais às questões de cunho moral binário, no sentido “certo
X errado”, mas de sentir se aquilo que Homero denominou os “phrenas” manifesta-se ou não em nosso
íntimo; é um mundo favorável a nos tornarmos “patetikós”.
Sim, já vivenciamos o ápice do
vigor de nossa juventude, de nossos vinte, trinta anos!
Corremos, focamos, nos dedicamos
e cumprimos inúmeras tarefas, trabalhamos muito. Vivenciamos anseios, dúvidas,
angústias, enfrentamos desafios, superamos provações.
Carregamos a árdua e imperativa
tarefa de escolher – com mais ou menos liberdade – nosso destino em várias
esferas da vida: do ponto de vista profissional e também amoroso, afetivo.
Provavelmente até mais de uma vez.
Optamos por gerar ou não nossos
filhos. Por cultivar ou não afetos, por priorizar ou não galgar elevadas
posições, obter destaque na sociedade.
Isso às quais coube tal escolha, pois
sabemos que, infelizmente, a muitas mulheres a natureza biológica ou a
limitação socioeconômica vetou tais liberdades.
Para nós, na faixa 50+, talvez as
duas últimas décadas talvez tenham sido mesmo as de maior empenho de nossa
parte pelo “Outro”, quando estivemos absortas, fazendo o que podíamos por nossa
carreira e pela família, tanto a que originamos quanto àquela que nos originou.
Foram muitos os encontros e
desencontros, todos edificando nosso caráter, nos jantares, nas festinhas,
batizados, aniversários e ceias natalinas. Ah, os afetos alinhavados enquanto
estávamos entretidas na criação de nossa prole. “Velhos tempos; belos dias! ”.
E fizemos! Meu Deus, como
fizemos!
Mas eis que chega esse momento de
reavaliação das principais ações, que nos ocupou e preocupou por décadas, essa faixa,
a dos 50+ na qual nos flagramos prostradas diante de nós mesmas, inquirindo
perplexas:
“Então, fiz, agi como conforme meu meio social, minha época, a cultura
e os valores vigentes pautavam. Mas.... É só isso? Agora é afogar no mar do
vazio, da opacidade, da ausência de desejos e, pior, coroando todas essas
angustiantes indagações, velar a decrepitude do corpo, resignar-me? ”.
Toda essa avalanche de
questionamentos (o que elenquei acima foi somente um exemplo dos que podem vir
a surgir), acompanhados da sensação de inutilidade, é fruto do que realmente?
De não determos mais o poder de
gerar?
Mas já geramos. Ou optamos por
não gerar, antes mesmo que o aplicativo do interdito biológico (menopausa) se
instalasse.
Da expectativa de levarmos a cabo
(e bem) a tarefa de educar, preparando a prole para a vida?
Mas já os encaminhamos!
De não saber o que mais fazer?
Ah, desejante homo-faber!
Bem, de praxe, equiparamos o Ser
ao fazer. “O que você faz? ”
Culturalmente é com a resposta a esta pergunta que definimos a nós mesmas e aos
demais.
E sequer havia necessidade de
algo reconhecidamente brilhante ou extraordinário para uma resposta
legitimamente satisfatória, que nos definisse, bastava um simples “cuido da
casa; zelo pela família, os filhos, o marido, o lar. ”
Há algo mais distinto e
moralmente positivo do que responder assim, com toda honra e toda glória?
Eis que a guardiã do fogo dos
antepassados, do lar, a deusa Héstia (Vesta, para os romanos) nos empodera,
meninas!
Claro, muitas de nós conquistaram
um papel de inegável destaque no seio social: Mãe de Família! Há título mais
respeitoso?
Tão virtuoso que eclipsa até o de
uma cientista que se dedique à cura do câncer, por exemplo. Para cada dez mães
de família, uma cientista bastaria. O contrário, talvez não.
Porque, vamos combinar de falar a
verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade, por conta do que o Pai da
Psicanálise, Sigmund Freud denominou “desamparo
estrutural”, a maternidade – apropriadamente – reivindica para si a maior
glória do mundo. Sem [boas] Mães não há sequer seres humanos. Ponto.
No entanto, contudo, todavia, à
medida em que o Tempo passa (Oh, Chronos impiedoso!), a capacidade (leia-se
PODER) de gerar se extingue, os filhos gerados crescem, saem de casa, vão eles
próprios buscar seus caminhos e, vem a angústia, a síndrome do “ninho vazio” (no vídeo abaixo o psicanalista Paulo Gaudêncio chama de "síndrome das mães desempregadas").
Também pode haver a cama vazia, o
bolso vazio e, talvez, ainda mais danoso: a cabeça vazia.
Amor. Desejo. Voltemos ao início,
à deusa da beleza e do amor, Afrodite (Vênus), a potestade com a qual iniciamos
essa prosa.
Amar/desejar SEMPRE dá um sentido
para a vida, um propósito para o viver.
Amar a si mesma. Amar aos filhos.
Amar o que se faz. Quanto aos demais, compreender talvez já seja o suficiente.
Pois bem, compreender aos pais,
aos irmãos, aos amigos, àqueles que – à revelia ou não – o acaso colocou em
nosso caminho.
O filósofo grego pré-socrático
Heráclito de Éfesos dizia: “O tempo é
criança brincando, de criança o reinado.”. Entreter! Entretemo-nos e
enriqueçamo-nos com as mundanidades que agradam aos nossos olhos, que edificam
e enobrecem a nossa alma!
Temos Dante, Victor Hugo, Dostoievski,
Shakespeare, Guimarães Rosa e Machado de Assis (temos as séries no NetFlix!); temos a beleza das flores e da
decoração dos ambientes, os bons odores, as artes, as viagens, as amizades, a
solidariedade, o curso de idioma, de danças de salão, as atividades tão
prosaicas, cotidianas e por isso mesmo, tão salutares; as sofisticações
gastronômicas, os carteados semanais, a caminhadinha diária.
Temos toda uma desfavorecida e,
portanto, necessitada humanidade à nossa volta para olhar e fazer, homo faber!
Mas tal qual a birrenta imatura
que se recusa a passar o bastão, o cedro, ansiando por uma irrealizável
imortalidade, não nos enxergamos em todas as dimensões, pomos em relevo as rugas, a flacidez
e o prateado dos cabelos. Nós mesmas nos limitamos a isso, míopes à grandiosidade do Cosmos, à Afrodite Urânia em nós.
É tão feio assim, envelhecer? Contemple a enfermeira polonesa Irena Sendler (imagem acima) e veja o quão
bela – no corpo e na alma! – uma mulher bondosa e sábia pode ser.
Como boa e prática chronida que
sou (Capricórnio), francamente, rebelar-se contra o invencível Chronos é pura
perda de (e para o) tempo. Mire lá em cima, no alto, a plateia agora é outra, capisce?
Desfrutar profunda e serenamente o crepúsculo que já se avizinha, usufruir destas preciosas últimas
décadas de vida (Oh, dádiva!) com lucidez, gratidão e sobretudo com ALTIVEZ é,
sim, uma belíssima saída possível.
Saída. Foi o que escrevi, pois
sairemos. Que seja de forma digna e honrada, como convém aos sábios.
luciene felix lamy
Whats (13) 98137-5711
Acima, esclarecendo sobre "Afrodite Urânia e Pandêmia", do renascentista veneziano Tiziano Vecellio, na Galleria Borghese, em Roma. TURMAS ANUAIS, http://cursodemitologiaemroma.blogspot.com/
No vídeo abaixo, minha singela homenagem à Sabia que tive a honra de conhecer: a psicanalista Anna Verônica Mautner (1935-2019). Confira mais vídeos dela no YouTube.
4 comentários:
Li duas vezes de tanto que amei a postagem.
No ano vindouro quem sabe invisto em uma de suas viagens em grupo para Firenzi.
Abraços.
Olá!
Ler o seu texto me fez refletir: o que é mais sábio ter Chronos como amigo ou lutar contra ele?
Os números de nossa vida tendem a serem mais amigos ou menos amigos do tempo. As primeiras décadas de vida nos fazem voar com ele em fantasias e aventuras. As últimas, entretanto, forçam-nos a ter uma escolha: estar com ele ou estar contra ele.
Após 46 anos caminhando nesta Terra tomei a melhor decisão de minha vida: sou amiga de Chronos. Ando de mãos dadas com ele.
Afinal, o que nós realmente somos? Um aglomerado de células ou um punhado de vida?
Escolher ser vida é escolher ser emoções, razões, sentimentos… Nós, mulheres, somos muito bonitas.
Tão bonitas que não precisamos da beleza estereotipada e imposta pela sociedade. Somos bonitas porque carregamos dentro de nós a própria Beleza (a nossa imagem e semelhança com Deus).
Infelizmente por múltiplos motivos pessoais e inerentes a cada uma de nós, temos em algum tempo, essa Beleza intrínseca apagada como uma vela em noite de tempestade. Cabe a nós reacendermos essa chama. Cabe a nós ajudarmos umas às outras a reacender essa chama.
Não devemos nos iludir com as imposições do mundo e com a falsa beleza mundana. Pois, sem perceber, entramos no ilusório barco de Caronte pensando que ele nos levará ao mundo da beleza eterna; mas, tão somente nos leva ao mundo de Hades: “vaidade das vaidades”.
Um cheiro
Janaina
Lu,
Essa questão do envelhecimento nunca esteve tão em voga, não?
Penso que talvez seja, ainda que não somente, muito por estarmos, as pessoas e em especial as mulheres dos 50+, se sentindo fortes, com energia, certos poderes (mágicos?), muitas conquistas, habilidades depuradas e, talvez, a certeza de que ainda há muito por fazer!
Além disso, podemos muito mais que há algumas décadas!
Podemos mudar de estilo, de carreira, de marido, de casa, de cor de batom.
Mas atreladas a estas amplas possibilidades estão também, questões muito caras às mulheres como beleza e juventude.
Esse duelo da poderosa com a enrugadinha é por vezes, cansativo.
Na minha experiência (e só posso falar por mim), fico feliz em constatar que na maioria dos dias me vejo e me acho muito bem ... às vezes até assovio pra mim!
Os em que estou horrorozinha, passam rápido e, em 24 horas temos novidades mostradas pela vida Auspiciosa e Abençoada, e pelo espelho! 😜
Parabéns Lu!!!!
Fui!
Netos chamam!
Ah, Luciene, fostes certeira com esse texto (Salve, Chronos!).
Precioso!
Se não me rejuvenesceu o SOMA em alguns anos, me fez um bem danado - com a tua erudição que nos agrega e acolhe -, à mente. Obrigada, também, por ter pego um assunto "espinhoso" e tê-lo embalado no mais raro veludo, com tua sensibilidade/verve e excelente material de apoio (vídeos). <3 o "lift up". Bjs, Norma
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