A
maioria das pessoas não pode experimentar uma existência completa e
frutífera isoladamente, pois “ser”, “existir” é entreter
relações que, vividas com um espírito de mutualidade, podem
produzir muitos frutos.
A
participação do indivíduo no processo social pode edificar ou
manter, transformar ou destruir valores sociais. Essa participação
também pode implicar alegria e sucesso OU tristeza e fracasso, tal
como a advinda da escravização a um ritmo alheio e insalubre de
trabalho que resulta, no máximo, na manutenção da existência com
relativo conforto material.
A
contribuição de uma pessoa aos processos sociais – seja nas
tarefas do lar ou numa empresa, nos campos ou no mar – estabelece
seu lugar e função na sociedade, sendo que o caráter do
relacionamento entre o “eu” individual e este fator de lugar e
função também poderá coincidir e explicitar traços basilares de
sua personalidade.
É
em virtude disso que não se pergunta “quem você é”, mas, de
praxe indaga-se: “o que você faz?”. À medida que vivemos,
nosso “lugar”, nosso “ser” será por esse modo determinado,
pois “ser” equipara-se a “fazer”, ao agir.
Em algumas sociedades, o fator “lugar-função” é quase predeterminado pelo nascimento e por herança (região geográfica, raça, família, classe social, etc.), no entanto, ainda que a discriminação racial, econômica e educacional limite o campo de oportunidades para muitos, nos países democráticos mais desenvolvidos, há certa liberdade de escolha (ao menos teoricamente) quanto ao lugar e função que optamos por ocupar dentro da sociedade.
Uma
pessoa que funcione ativamente, de acordo com o lugar por ela ocupado
na sociedade, tem uma “posição”, onde vemos combinados muitos
elementos sociais e psicológicos, que permite a ela exercer algum
tipo de influência e autoridade, adquirindo um “status”
– do ponto de vista social – de destaque com referência a um
todo operativo e organizado.
Desde
que a função seja preenchida com competência, confere-se prestígio
àqueles que a desempenham. Entretanto, uma sociedade que prestigie
indivíduos que não satisfaçam, ativa e eficazmente suas funções
com retidão de caráter torna-se uma sociedade pervertida em seu
“télos” (propósito).
A
posição do ser humano na sociedade tem de ser uma fruição social
de sua identidade individual, ou, dito de outro modo, a prova e a
consagração de sua realização como indivíduo no meio em que
vive. O crivo sobre seu ser enquanto indivíduo deve ser observado
com acuidade pela sociedade antes de outorgar prestígio e conferir
autoridade.
Essa
“com-sagração” suscita uma questão nevrálgica, pois a união
de uma pessoa com uma função significativa pode ser a consumação
de toda a sua existência. A posição que ocupamos pode coroar
aquilo que almejamos e podemos ser.
Nenhuma
posição é menos nobre e digna que qualquer outra: a dona de casa
que vai ao supermercado, prepara os alimentos e cuida da casa, o gari
que recolhe o lixo, o advogado e o juiz, o artista e o político,
todos somos necessários. O que importa é a maneira pela qual as
pessoas desempenham essas tarefas, pois isso determina não só a sua
situação ética (social) como também sua situação moral
(pessoal).
A
qualidade desse desempenho é determinada também pela maneira com a
qual – gradativamente – as pessoas se prepararam e foram
preparadas (referimo-nos à educação), pois não se pode participar
ou contribuir com o que não se tem.
No
exercício de suas funções, as pessoas podem vivenciar
circunstâncias nas quais detêm poder e autoridade, mas a autoridade
que uma função confere não é um poder emanado pelo indivíduo
enquanto organismo isolado e sim, fruto da interdependência e
cooperação acordados pelo grupo.
Este
poder (oriundo da função ou do cargo que se ocupa) pode ser
custódia OU pilhagem. A tragédia de nossa democracia individualista
está em – sutil ou grosseiramente –, fazer o sujeito considerar
todo o poder ou autoridade que lhe vem parar às mãos como sendo
decorrência de seus méritos, como algo inerentemente (e sem
reservas morais!) “seu”, e não prerrogativa que logra por ocupar
com honradez uma função dentro do “Todo”.
Suscetível,
este poder ou autoridade corre o risco de ser usado como se bem
entender, sem levar em conta a função social: o poder ou autoridade
não é um fator “privado”, mas “público”.
Sempre
que o indivíduo adquire poder por causa de sua posição (ou
função), esse poder deve ser considerado custódia. O poder do
policial, do juiz, do médico, do general e de todas as autoridades
públicas, por exemplo, é, e com razão, uma custódia. Isso porque
trata-se de um poder decorrente do cargo, nascido da função social.
São
muitos os indivíduos que chegam aos altos cargos por mérito
pessoal. Mas o poder do cargo advém da função social que esse
cargo representa, não necessariamente do mérito, passível de vir a
ser simulado. Eis a origem da confusão que transmuta o poder
democrático – autoridade legítima – em poder autoritário, que
é a tirania. Compreender essa visceral discrepância permite-nos
diferenciar os lícitos detentores dos meros usurpadores do poder.
Simulando
mérito, o individualista grosseiro viola a sociedade a fim de
alimentar sua insaciável ambição. Utiliza os recursos da “res
publica” para promover seus interesses pessoais. No processo,
perde-se todo o sentido de consagração pessoal a uma tarefa,
negligencia-se o valor ético da “posição”, que é eclipsado.
Usar
do cargo, da posição para obter vantagens pessoais é perversão de
valores, pois toda vez que um indivíduo usurpa o poder social
inerente a seu cargo ou função a fim de expandir seu ego e sua
riqueza toda a sociedade padece.
Sempre
que o núcleo central de poder e autoridade, que é o Governo,
compactua com a decadência moral de seus servidores, arruína toda a
nação.
Urge
que haja harmonia e consenso entre essas polaridades: o indivíduo
precisa exercer poderes inerentes ao cargo, mas esse exercício deve
pautar-se pela ética, estar sob custódia e sempre em prol da
coletividade.
Indivíduo
e sociedade se encontram quando o homem e seu cargo tornam-se uma
coisa só (e ambos, sagrados!), até porque, permitir que o homem se
valha do poder e da autoridade decorrente de seu cargo para
satisfazer os caprichos de seu ego e de sua ganância é um
assombroso crime, pois de alcance gigantesco e profundo, é também
fatal.
Joguete,
refém de todo o tipo de perversidade (desemprego, balas perdidas,
vícios, prostituição), o povo definha, morre, ao passo que os
prepotentes, sem respaldo moral, se tornam cada vez mais arrogantes e
autocráticos, pois vaidosos imaginam serem os únicos capazes de
ocupar a posição que ocupam.
Em linhas gerais, eis o que redunda no nefasto retrato da purulenta situação política de nosso vilipendiado país.
Inspirado na obra "Tríptico Astrológico" do Filósofo, astrólogo, cristão, Dane Rudhyar (A prova da posição - Capricórnio).
Em linhas gerais, eis o que redunda no nefasto retrato da purulenta situação política de nosso vilipendiado país.
luciene felix lamy
colunista de filosofia do jornal jurídico carta forense (sp)
professora de filosofia e mitologia greco-romana na galleria borghese (roma) e pinacoteca benedicto calixto (santos)
coordenadora da oficina minha biografia na pinacoteca benedicto calixto (santos)
colunista de astrologia & arte no consueloblog (florença)
Inspirado na obra "Tríptico Astrológico" do Filósofo, astrólogo, cristão, Dane Rudhyar (A prova da posição - Capricórnio).
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