"A Guerra é pai de todas as coisas - de uns faz deuses, de outros homens, de uns livres, e de outros, escravos". Filósofo grego pré-socrático, Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.).
Tanto em nossa razão subjetiva (fruto de um lógos instrumentalizador, que recolhe e ordena, classifica, infere e deduz segundo a utilidade de nossos próprios interesses, lucros e vantagens individuais ou coletivos) quanto nossa razão objetiva (outro lógos, de reflexão e discernimento que abarca e perpassa o pensar-dizer possível, englobando a totalidade, o "todo") associamos Justiça à Paz, tomando-os quase por sinônimos.
Acessar esses lógos (razões subjetiva/objetiva) é dispor de agentes de compreensão ética e moral. Lembremo-nos que a razão subjetiva, relativa ao sujeito, está bem definida quando o sofista Protágoras proclama que "O homem é a medida de todas as coisas, das que são porque são e das que não são, porque não são".
Já a razão objetiva impõe a ideia de que um objetivo possa ser racional por si mesmo, independente do sujeito, como intentaram os criadores dos grandes sistemas filosóficos tais como Platão, Aristóteles, a escolástica e o próprio idealismo alemão. (Vide Horkheimmer).
Uma vez evidente essa apreensão dualística da ratio, do lógos, ponderemos sobre o emprego da violência.
A palavra "violência" vem do latim e significa força. E, "violentus" é aquele que impiedosamente, faz uso exagerado da força. Sendo assim, a palavra violência aderiu à violação, dilaceração, brutalidade, desmedida. Uma vez que a chocante violência física é a mais aparente, automaticamente, associamos violência a sangue e isso nos causa aversão.
Curiosamente, mesmo nas representações mais arcaicas da deusa grega, da sabedoria e justiça, Palas Athena, identificamos a imagem de uma lança (ou de uma espada, numa versão posterior). Qual é o significado da presença de um objeto que simboliza a força da guerra e da violência, nas mãos da guardiã da Justiça?
A apresentação de uma arma, instrumento de violência, se opõe ou, ao menos de imediato, não coaduna com Paz. Mas, contrariando nossos sentimentos mais compassivos, podemos atinar a razão de sua existência como ferramenta necessária para se estabelecer, restaurar e manter a Paz. A força (representada pela lança ou a espada), empregada com justa medida pela Justiça é condição sine qua non para que impere a Paz. Sabemos que sem Justiça a paz não é possível, e ela têm de se impor com firmeza.
Filha do soberano Zeus, Athena é zelosa guerreira. Gestada na cabeça do pai, enquanto não nasce, as dores de cabeça do ordenador do Cosmos são inevitáveis. E assim como nasce (miticamente) do lógos do pai, graças ao empenho do mestre da téchne, Hefestos, também a Justiça vem à luz graças aos operadores do direito.
Vale dizer, Athena é patrona de um tipo muito específico de violência. Trata-se do inevitável combate feito com inteligência e astúcia, motivado por um ideal, um valor honroso. Guerreia somente enquanto último recurso, quando se torna insuficiente a resolução diplomática de qualquer polêmica. A força para a batalha deve ser encarada como derradeira e importante argumentação na defesa da justiça quando todas as outras vias falharam.
Como dito acima, assim como atinamos à plausibilidade de dois modos de apreensão pela razão (subjetiva e objetiva), inferimos haver também modos distintos de se conceber e de fazer uso da força/violência: o legitimado e o desvirtuado.
A natureza (physis) é caprichosamente violenta em sua dýnamis (potência). Nos assola a violência dos mares, dos ventos e até das paixões, pois, na ousía (essência), não somos poupados do que há de natural em nós. A própria criação da vida de um novo ser não se origina sem determinada violência: o vitorioso e singular espermatozóide que engendrou a alma (psyché) de que quem lê essas linhas, teve forças, lutou e muito para romper a resistente barreira da parede de um óvulo.
Origem, florescimento, plenitude, degeneração e decrepitude (geres, a velhice maldita) até o inexorável fim. Quando lhe é de direito, o sol invade a escura madrugada e, precedido pelo espetáculo da aurora, avança impondo sua luz; tal qual o inverno atual a suceder o outono, que naturalmente acata o fim desse seu ciclo.
Temos também na música, um dos mais belos, inefáveis e transcendentais exemplos do bom uso da violência. É extasiante constatar o paradoxo de que através do emprego de certa violência, aplicada com a intensidade adequada e no devido kayrós (tempo oportuno) um compositor extrai as mais belas melodias: estendendo as cordas com virtuose, deleitando-nos a alma.
Vislumbra-se uma muitíssimo bem orquestrada harmonia (sophrosyne): a "visível", passível de ser recolhida pela razão subjetiva, do sujeito; bem como a "invisível", recolhida por uma razão objetiva, pontilhando todo o Cosmos (ordem) da galáxia em que habitamos. Observe que nosso planeta Terra se situa entre as mitológicas divindades/planetas Vênus (Afrodite) e Marte (Ares) -, também subjetiva e objetivamente, equilibramo-nos entre o amor e a guerra.
Ainda que nossa razão subjetiva não tenha alcançado o "Ser em si e por si" de uma razão objetiva, sabemos que a reunião das ações que empreendemos como pessoas individuais formam o todo coletivo, podendo culminar na aparente totalidade desse mundo em que vivemos.
Ao furtar-nos à consciência da necessidade do emprego da boa violência/força, abdicando de nossa responsabilidade na obrigação de Pensar e agir, cerceamos, tolhemos nossa liberdade. Se, fracos, paralisamo-nos pelo temor de sermos removidos de nossa preciosa (embora cada vez mais frágil) zona de conforto e, como avestruzes, enterramos a cabeça no chão, promovemos indesejada violência: a injustiça, fruto da omissão.
Devemos atentar ao fato de que, ao nos esquivarmos dos combates, nos omitindo numa chamada à ação, sobretudo política, estamos sendo coniventes com os desmantelos de nossos dirigentes. Essa (falta de) atitude erige o pântano no qual chafurdamos: numa política (pólis) juridicamente deteriorada e pútrefa.
Muitas vezes, nas ações empreendidas em nossa vida particular e pública, optamos por preservar o status quo, manter a paz e a harmonia a qualquer preço, encobrindo uma situação sabidamente injusta. Sobrevém-nos uma pseudo paz, a um custo muito mais elevado (sim, valoramos!) do que se perseguíssemos a verdadeira Paz indissociável da Justiça. Livres, ao escolhermos isso, fomentamos mentiras deslavadas, premiamos a perfídia, perpetramos injustiça.
Numa passagem da Odisséia, narra Homero, que o ardiloso rei de Ítaca, Ulisses (Odisseu) apresenta-se ao gigante ciclope chamado Polifemo, dizendo que seu nome é "ninguém". Ameaçadoramente acarinhando a própria barriga, prontamente o ciclope assegura: "pois de ninguém será o meu jantar!". Num arremesso certeiro, Ulisses, atinge em cheio o olho de Polifemo. O filho de Poseidon, cego e desesperado, aos brados, exige do pai que o vingue, dizendo ao deus dos mares que quem o atingiu foi "ninguém": "O nome dele é ninguém! Procure ninguém."
Recentemente, o Presidente de nosso Senado, Sr. José Sarney, afirmou que: "Ninguém vai acobertar ninguém". E que "Ninguém vai evitar que qualquer um seja punido como deve ser". Como a astúcia pode ser vil: é impossível encontrar "ninguém".
Eis o bom combate. Não devemos promover a barbárie, empunhando lanças ou espadas. Mas violência não é (somente) sangue, portanto, sejamos fortes e corajosos o suficiente para que, em todos os âmbitos (público e privado), manifestemos nosso desejo de que a Justiça seja assegurada.
Não vivemos no melhor dos mundos, talvez nunca tenhamos vivido mesmo, mas não é justo que, acovardados, neguemos a nós mesmos o direito de conquistá-lo. Um mundo mais harmonioso, igualitário, respeitoso, de Paz.
Dedico esse artigo à Deputada Mara Gabrilli que, tetraplégica, luta pela inclusão dos deficientes. Um exemplo de como ser político, do agir na pólis. Homero (Ilíada e Odisséia) , o maior aedo/poeta que a humanidade conheceu, era cego.
Tanto em nossa razão subjetiva (fruto de um lógos instrumentalizador, que recolhe e ordena, classifica, infere e deduz segundo a utilidade de nossos próprios interesses, lucros e vantagens individuais ou coletivos) quanto nossa razão objetiva (outro lógos, de reflexão e discernimento que abarca e perpassa o pensar-dizer possível, englobando a totalidade, o "todo") associamos Justiça à Paz, tomando-os quase por sinônimos.
Acessar esses lógos (razões subjetiva/objetiva) é dispor de agentes de compreensão ética e moral. Lembremo-nos que a razão subjetiva, relativa ao sujeito, está bem definida quando o sofista Protágoras proclama que "O homem é a medida de todas as coisas, das que são porque são e das que não são, porque não são".
Já a razão objetiva impõe a ideia de que um objetivo possa ser racional por si mesmo, independente do sujeito, como intentaram os criadores dos grandes sistemas filosóficos tais como Platão, Aristóteles, a escolástica e o próprio idealismo alemão. (Vide Horkheimmer).
Uma vez evidente essa apreensão dualística da ratio, do lógos, ponderemos sobre o emprego da violência.
A palavra "violência" vem do latim e significa força. E, "violentus" é aquele que impiedosamente, faz uso exagerado da força. Sendo assim, a palavra violência aderiu à violação, dilaceração, brutalidade, desmedida. Uma vez que a chocante violência física é a mais aparente, automaticamente, associamos violência a sangue e isso nos causa aversão.
Curiosamente, mesmo nas representações mais arcaicas da deusa grega, da sabedoria e justiça, Palas Athena, identificamos a imagem de uma lança (ou de uma espada, numa versão posterior). Qual é o significado da presença de um objeto que simboliza a força da guerra e da violência, nas mãos da guardiã da Justiça?
A apresentação de uma arma, instrumento de violência, se opõe ou, ao menos de imediato, não coaduna com Paz. Mas, contrariando nossos sentimentos mais compassivos, podemos atinar a razão de sua existência como ferramenta necessária para se estabelecer, restaurar e manter a Paz. A força (representada pela lança ou a espada), empregada com justa medida pela Justiça é condição sine qua non para que impere a Paz. Sabemos que sem Justiça a paz não é possível, e ela têm de se impor com firmeza.
Filha do soberano Zeus, Athena é zelosa guerreira. Gestada na cabeça do pai, enquanto não nasce, as dores de cabeça do ordenador do Cosmos são inevitáveis. E assim como nasce (miticamente) do lógos do pai, graças ao empenho do mestre da téchne, Hefestos, também a Justiça vem à luz graças aos operadores do direito.
Vale dizer, Athena é patrona de um tipo muito específico de violência. Trata-se do inevitável combate feito com inteligência e astúcia, motivado por um ideal, um valor honroso. Guerreia somente enquanto último recurso, quando se torna insuficiente a resolução diplomática de qualquer polêmica. A força para a batalha deve ser encarada como derradeira e importante argumentação na defesa da justiça quando todas as outras vias falharam.
Como dito acima, assim como atinamos à plausibilidade de dois modos de apreensão pela razão (subjetiva e objetiva), inferimos haver também modos distintos de se conceber e de fazer uso da força/violência: o legitimado e o desvirtuado.
A natureza (physis) é caprichosamente violenta em sua dýnamis (potência). Nos assola a violência dos mares, dos ventos e até das paixões, pois, na ousía (essência), não somos poupados do que há de natural em nós. A própria criação da vida de um novo ser não se origina sem determinada violência: o vitorioso e singular espermatozóide que engendrou a alma (psyché) de que quem lê essas linhas, teve forças, lutou e muito para romper a resistente barreira da parede de um óvulo.
Origem, florescimento, plenitude, degeneração e decrepitude (geres, a velhice maldita) até o inexorável fim. Quando lhe é de direito, o sol invade a escura madrugada e, precedido pelo espetáculo da aurora, avança impondo sua luz; tal qual o inverno atual a suceder o outono, que naturalmente acata o fim desse seu ciclo.
Temos também na música, um dos mais belos, inefáveis e transcendentais exemplos do bom uso da violência. É extasiante constatar o paradoxo de que através do emprego de certa violência, aplicada com a intensidade adequada e no devido kayrós (tempo oportuno) um compositor extrai as mais belas melodias: estendendo as cordas com virtuose, deleitando-nos a alma.
Vislumbra-se uma muitíssimo bem orquestrada harmonia (sophrosyne): a "visível", passível de ser recolhida pela razão subjetiva, do sujeito; bem como a "invisível", recolhida por uma razão objetiva, pontilhando todo o Cosmos (ordem) da galáxia em que habitamos. Observe que nosso planeta Terra se situa entre as mitológicas divindades/planetas Vênus (Afrodite) e Marte (Ares) -, também subjetiva e objetivamente, equilibramo-nos entre o amor e a guerra.
Ainda que nossa razão subjetiva não tenha alcançado o "Ser em si e por si" de uma razão objetiva, sabemos que a reunião das ações que empreendemos como pessoas individuais formam o todo coletivo, podendo culminar na aparente totalidade desse mundo em que vivemos.
Ao furtar-nos à consciência da necessidade do emprego da boa violência/força, abdicando de nossa responsabilidade na obrigação de Pensar e agir, cerceamos, tolhemos nossa liberdade. Se, fracos, paralisamo-nos pelo temor de sermos removidos de nossa preciosa (embora cada vez mais frágil) zona de conforto e, como avestruzes, enterramos a cabeça no chão, promovemos indesejada violência: a injustiça, fruto da omissão.
Devemos atentar ao fato de que, ao nos esquivarmos dos combates, nos omitindo numa chamada à ação, sobretudo política, estamos sendo coniventes com os desmantelos de nossos dirigentes. Essa (falta de) atitude erige o pântano no qual chafurdamos: numa política (pólis) juridicamente deteriorada e pútrefa.
Muitas vezes, nas ações empreendidas em nossa vida particular e pública, optamos por preservar o status quo, manter a paz e a harmonia a qualquer preço, encobrindo uma situação sabidamente injusta. Sobrevém-nos uma pseudo paz, a um custo muito mais elevado (sim, valoramos!) do que se perseguíssemos a verdadeira Paz indissociável da Justiça. Livres, ao escolhermos isso, fomentamos mentiras deslavadas, premiamos a perfídia, perpetramos injustiça.
Numa passagem da Odisséia, narra Homero, que o ardiloso rei de Ítaca, Ulisses (Odisseu) apresenta-se ao gigante ciclope chamado Polifemo, dizendo que seu nome é "ninguém". Ameaçadoramente acarinhando a própria barriga, prontamente o ciclope assegura: "pois de ninguém será o meu jantar!". Num arremesso certeiro, Ulisses, atinge em cheio o olho de Polifemo. O filho de Poseidon, cego e desesperado, aos brados, exige do pai que o vingue, dizendo ao deus dos mares que quem o atingiu foi "ninguém": "O nome dele é ninguém! Procure ninguém."
Recentemente, o Presidente de nosso Senado, Sr. José Sarney, afirmou que: "Ninguém vai acobertar ninguém". E que "Ninguém vai evitar que qualquer um seja punido como deve ser". Como a astúcia pode ser vil: é impossível encontrar "ninguém".
Eis o bom combate. Não devemos promover a barbárie, empunhando lanças ou espadas. Mas violência não é (somente) sangue, portanto, sejamos fortes e corajosos o suficiente para que, em todos os âmbitos (público e privado), manifestemos nosso desejo de que a Justiça seja assegurada.
Não vivemos no melhor dos mundos, talvez nunca tenhamos vivido mesmo, mas não é justo que, acovardados, neguemos a nós mesmos o direito de conquistá-lo. Um mundo mais harmonioso, igualitário, respeitoso, de Paz.
Dedico esse artigo à Deputada Mara Gabrilli que, tetraplégica, luta pela inclusão dos deficientes. Um exemplo de como ser político, do agir na pólis. Homero (Ilíada e Odisséia) , o maior aedo/poeta que a humanidade conheceu, era cego.
4 comentários:
Estimado amigo Antonio Carlos,
Fico feliz que estejas acompanhando meus textos.
Infelizmente, desconheço a obra de Luce, que citas.
Talvez fosse interessante dar uma olhada na Teogonia, de Hesíodo (trad. Jaa Torrano).
Esse artigo "A violência da Justiça" ficou confuso?
Por gentileza, manifeste sua dúvida para que possa tentar esclarecer melhor.
Um grande abraço amigo e, desde já, muitíssimo grata pelo e-mail.
Bjs.,
luciene
Prezada Profª Luciene
Tenho acompanhado seus artigos na Carta Forense.
Achei, A Violência da Justiça, um tema de difícil ajuste argumentativo - o texto, na história da filosofia, não tem fundamentação se, tomado pela Grécia antiga.
Será que pode ter?
Bem, quando tiveres algum texto sobre a formação das nações gregas tenho interesse. O livro do Luce, creio, nesse particular é confuso, didaticamente.
Considerações,
Antonio C.Branchi
Professor de Filosofia, último semestre de graduação - IPA METODISTA - PORTO ALEGRE
Prezada Profª Luciene,
Penso, acompanhando teus textos anteriores que, eles possuem uma particularidade essencial naquilo que se espera de uma leitura didática: uma síntese bem estruturada de informações e idéias.
A minha dúvida está relacionada com a afirmação de muitos professores: Os grandes filósofos gregos já pensavam na violência, suas formas? Meus professores sempre ensinaram que esse tema nunca foi discutido pelo pensamento daquela época.(?)
Agora, nas férias, irei ler a tua recomendação - agradeço a sugestão.
Seguirei lendo teus textos; meu interesse não está condicionado ao embate intelectual - não teria essa pretensão.
Jamais afirmaria que tua escrita está confusa.
LUCE, J. V.. Curso de Filosofia Grega. KURY, Mário da Gama (tradutor). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2007 - livro muito usado na graduação.
Agradeço pelo retorno, um beijo.
QUE RE-VIVA A FILOSOFIA.
Querida Luciene,
Parabéns pelo belíssimo artigo! Vai direito ao centro, para pessoa e para a sociedade.
Um abraço,
Livia
Alessandro Santoro & Livia Lanfranchi
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