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3 de nov. de 2008

Prudência em Aristóteles e a questão da sustentabilidade




“a prudência é de longe a primeira condição de felicidade. Nunca se deve cometer impiedade contra os deuses. Os orgulhosos vêem suas grandes palavras pagas pelos grandes golpes da sorte, e é apenas com os anos que aprendem a prudência”. Antígona, Sófocles


Diz um provérbio erudito, que a sabedoria “reina”, mas “não governa”. Quem governa é a ação, a phronêsis platônica; a Prudência aristotélica, o agir deliberado, refletido.

Prudência é a ação ponderada, discutida, examinada, enfim, deliberada. Sim, o Estagirita (Aristóteles é da cidade de Estagira) desenvolveu o conceito de phronêsis legado por Platão e concebeu uma importantíssima teoria geral da ação, uma hermenêutica da existência humana enquanto agente no mundo e sobre o mundo. A phronêsis/Prudênciarecta ratio agibilium – é virtude opinativa da alma: “daí que a Prudentia seja considerada a mãe (genitrix virtutum) e a guia (auriga virtutum) das virtudes”, diz Jean Lauand (FE-USP): “a virtude que realiza as demais”.

A ação prudente é cautelosa, sim. Mas, ao contrário do que pensa o senso comum, Prudência não é morosidade, aliás, não admite perda de tempo. É rápida e certeira pois, o kairós (o tempo, do grego, no sentido de agir bem, no momento certo) é inerente à virtude da Prudência. “Nem antes nem depois”, como Odisseu (Ulisses) orienta a seu filho Telêmaco, na Odisséia Homérica.

Tendo examinado cuidadosa e cautelosamente a questão que se apresente, ao Prudente urge agir de imediato. Mas examina, delibera. Alertando para a importância do kairós adequado à ação justa, o Pensador francês Pierre Aubenque afirma: “Não há justiça, se a decisão é tardia. O momento, o tempo, que permite que a justiça ocorra, é determinado pela Prudência”. Renomado estudioso dessa doutrina em Tomás de Aquino, o prof. Dr. Jean Lauand também atesta: “Na verdade, a prudentia, enquanto virtude da decisão, é a própria base da justiça e a iurisprudentia nada mais é do que a prudentia do ius”.

A virtude da Prudência se estabelece em circunstâncias bem peculiares. O saber científico, das ciências, esse saber “lógico” pode dispensá-la. Sobre todos os nossos conhecimentos já certos, como o saber dos seres em si e por si, imutáveis e eternos, tais quais a aurora e o crepúsculo, as estações do ano, os ciclos lunares, os matemáticos e geométricos, o saber das Formas puras (Idéia platônica), de nossa mortalidade enfim, coisas já assentadas, não se pondera, não se escolhe, não há o que discutir, alterar, portanto, não se delibera.

Só deliberamos (e aí sim, podemos orientar nossa ação pela Prudência) sobre “tudo o que é obra do homem”, como diz Aristóteles, o que está sujeito à mudança.

É por isso que não há como se atribuir à ciência meramente lógica, um valor moral, ela não é meritória, é o que é. Atentem que um mal uso da Prudência (que não é da alçada das ciências exatas) seria uma contradição pois, ser prudente – agir bem – não comporta o insensato.

Eis que a Prudência é outro gênero de conhecimento, é um saber moral porque há mérito em possuí-lo. Ela não existiria sem virtude moral. Em Aristóteles é a cisão do próprio mundo real que possibilita uma cisão paralela no interior da razão, não somente no interior da alma cognitiva (e seus modos de apreensão, exame, intelecção, cognoscência), mas da vida prática, contingente. Contingente é essa vida que levamos: instável, incerta, mutável, sujeita a atenuantes e agravantes, ao exame das circunstâncias, em suma, à deliberação.

A contingência fomenta, funda e alimenta a virtude da Prudência, faz dela sua morada pois, é justamente por vivermos num mundo contingente, ou seja, sujeitos ao trágico, ao inimaginável, ao infortúnio, é no solo do acaso e do incerto que emerge a “auriga virtutum”, a boa ação, a virtuosa, posto que bem pensada. Conforme atesta Aubenque: “é a indeterminação dos futuros que faz do homem princípio; o inacabamento do mundo é o nascimento do homem”.

A Prudência é considerada a virtude par excellence porque somente através de seu exercício é que o seres humanos podem refletir e escolher. Eis que a virtude da Prudência é a de um Saber da práxis, da ação com a qual os homens se acostumam e incorporam, se habituam e constituem sua moral.

Nossas escolhas habituais, baseadas na valoração – ou não – de nossos semelhantes, na consideração (do latim siderio, estrelas) pelo “Outro”, constituirá nossa moral, estabelecerá nosso ETHOS.

Ao revelar o ETHOS humano, a virtude da Prudência fundamenta sua incontestavelmente notória importância. Nosso planeta (habitat), como um todo, subordinado aos nossos hábitos (modus vivendi e modus operandi, passíveis de vir a ser constituídos por virtudes ou vícios) explicita nosso ETHOS.

O filósofo grego pré-socrático Heráclito é quem nos dá o mais antigo testemunho da palavra phronêsis (Prudência), ao alertar que, na multidão, cada um, ao invés de compreender o que é comum, “se deixa viver como se tivesse sua própria inteligência”. O que ele quer dizer, segundo Aubenque, é que os mortais participam, bem ou mal, de um lógos que os ultrapassa e a falta mais grave do homem é opor sua individualidade ao universal no qual se insere".

Se o melhor absoluto se revela impossível, dadas as circunstâncias, busquemos o melhor possível, nos ensina Aristóteles. Deus não delibera, não precisa; tampouco o animal detém poder para examinar suas possibilidades. Somente o homem é chamado à ação: “Torna-te o que és”, roga o magnânimo Píndaro, poeta grego.

Segundo Aubenque, “A deliberação representa a via humana, ou seja, mediana, aquela de um homem que não é completamente sábio nem inteiramente ignorante [como o daimon intermediário que vimos no artigo anterior, O Banquete sobre o Amor, de Platão], num mundo que não é, nem totalmente previsível, nem totalmente imprevisível, o qual, no entanto, convém ordenar usando as mediações claudicantes que ele nos oferece”.

Como Aristóteles, sabemos que a deliberação, o exame, cujo conceito é emprestado da prática política, não basta para constituir a virtude, pois a deliberação não diz respeito ao fim, mas aos meios; em Aristóteles, a phronêsis torna-se Prudência, descola-se do “Ideal” platônico como télos (finalidade, propósito), não diz mais respeito ao Bem, mas ao útil. Eis que a deliberação enquanto tal, pode ser posta a serviço do mal, da desmedida, a hýbris grega.

Também no frontispício do Oráculo do deus da harmonia, se lê: “Conhece-te a ti mesmo!” E conhecerás o Universo? E saberás que és um deus? Ou... E constatarás que és mortal? Sejamos Prudentes.

Convido-os, amigos, a refletir sobre o ETHOS humano à partir de nossa relação com a natureza, assistindo ao vídeo “A história das coisas”, disponível nesse Blog e também no site: www.unichem.com.br. Basta clicar em “sustentabilidade”.

Saiba mais:

Aubenque, Pierre – A Prudência em Aristóteles – Trad. Marisa Lopes. São Paulo, SP. Discurso Editorial, 2003.
Lauand, Jean – Saber Decidir: a Virtude da Prudentia. http://hottopos.com/notandum
Lauand, Jean – Filosofia, Linguagem, Arte e Educação. Coleção Humanidades – ESDC. Factash Editora, 2007.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns, gostei muito, pois ao invés de ver city sem conteúdo,onde não se aproveita nada, esse tipo leitura nos torna mais culturais, aprender nos proteger, pois a maioria de nos jamais usou de prudência em vários casos, até no amor, terminamos mal.

Otamir Mendes

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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

Curso de Mitologia Grega
As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

Busque sempre a excelência!

TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

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O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

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