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1 de set. de 2011

As 5 Etapas do Movimento de Realização da Realidade - Parte II

Se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente."  Machado de Assis

1. Desvelar – 2. Revelar 3. Testemunhar – 4. Veracizar – 5. Autenticar


Versando sobre o que torna a realidade “real” (vide nosso artigo anterior http://lucienefelix.blogspot.com/2011/08/as-5-etapas-do-movimento-de-realizacao.html) constatamos que, fenomenologicamente, primeiro as coisas são expostas à luz, ou seja, desocultadas (desveladas); depois, faz-se necessário que sejam expressas (reveladas) através da linguagem.

Quando o homem fala, necessariamente, é com outro homem: “O alcance dessa fala é a confirmação da existência e da identidade não só de tudo aquilo com que alguém entra em contato ou desoculta, mas desse mesmo alguém.”, afirma Dulce Critelli. Saber e conhecer, isolada e solitariamente não é o que valida à realidade.

Seja lá o que for que tenha sido “constatado”, ou seja, desvelado e revelado (através da comunicação) deve necessariamente ser visto e ouvido pelos demais (testemunhado): um Advento!

Detenhamo-nos, agora, às três últimas etapas desse processo: Testemunhar – Veracizar – Autenticar.

O que dá lastro à existência real, do que descobrimos e expressamos é o testemunho dos outros (mesmo que discordem do que estamos afirmando). Sermos corroborados evita que sejamos tidos como loucos, dementes, “sem noção”.

Coexistimos! Juntos, desvelamos e revelamos o que algo é: “O outro com quem alguém fala sobre algo não é um mero receptor de uma mensagem, mas seu co-elaborador. Isto é, ele é elemento constituinte da possibilidade desse algo se mostrar.” 

Mas, sem testemunho, o que quer que tenha sido desvelado e revelado se perde, como se a manifestação nunca tivesse aparecido: “Mais, à medida que o compreendido por alguém é testemunhado pelos outros, esses outros não só consolidam a existência daquilo que alguém compreendeu, como também consolidam, ao mesmo tempo, a existência desse alguém que compreendeu algo e trouxe esse algo compreendido para o testemunho”.

Ao testemunhar, os outros participam da realização do ato da realidade: “O testemunho é composto por uma simultaneidade de olhares diversos”. O mero testemunho não implica, necessariamente, juízo de valor: “A abertura do testemunho é [apenas] um trazer algo ao mundo comum como pertencente a ele”.

Mas, além de contarmos com o testemunho dos outros, para que algo seja, de fato, “real”, também se faz necessário que seja referendado como verdadeiro pelo senso comum (não menosprezemo-lo!) por sua relevância pública (veracizado) e, por fim, autenticado, que é o que ocorre quando algo é efetivado em sua consistência através da vivência afetiva e singular dos indivíduos.

Critelli afirma que o que advém ao mundo, no trajeto de sua realização, anseia ser verdadeiro: “Coisa alguma é verdadeira em si mesma, mas veracizada mediante uma referência, um critério, algo que venha de fora dela mesma e a autorize a ser o que é e como é.” 

Até o presente, espíritos desencarnados, extraterrestres (mesmo que testemunhados por alguns – devido a não-permanência num horizonte temporal), jamais foram tidos como ‘reais’. Não passam pelo crivo do 4º passo, que é a veracização.

Um exemplo de veracização é a composição da água. Além do desocultamento (desvelamento) dos elementos (H2O) presentes na água é preciso “um critério comum (a toda uma sociedade e/ou civilização) que considere, no caso, a repetição e a constância dessa mesma composição” o que legitima esta definição.

Por falar em água, o mesmo se dá em relação às nossas sensações e emoções: “Aquilo que um indivíduo sente só chega a ser um sentimento (de medo, vergonha, felicidade, amor, raiva) quando confirmado como tal pelo testemunho de outros.”

No entanto, reconhecemos esses sentimentos como sendo ‘reais’ porque eles já foram demarcados como relevantes e, portanto, existentes (veracizados) do ponto de vista da esfera pública. De todos, ocultamos a inveja que por não ser distinta e nobre, constrange.

Paradoxalmente, algozes e reféns das ‘autoridades’, todos os nossos conceitos a respeito da vida, da convivência cotidiana, foram forjados em sua veracidade por meio de alguma relevância pública, numa esfera exterior, mais ampla: “A própria ciência moderna, para que fosse aceita como saber fidedigno em nossa civilização, dependeu da conquista de sua relevância pública.”

Estejamos cônscios: há uma trama política presente no movimento de veracização de algo. Nesse jogo, que garante as relações imediatas de força e poder, que dá suporte às diversas ideologias, os homens buscam convencerem-se mutuamente das verdades que atribuem às coisas: “Por vezes esse jogo subverte o modo mais plenamente humano de jogá-lo, que é através do discurso ou das palavras [sempre passíveis de manipulação com interesses escusos], e se estabelece por meio da força e da violência.”

Considerando verdade e realidade como sendo elementos indissociáveis, veracizar é submeter ao crivo do que pressupomos guardiã da ‘verdade’: a opinião pública. É o que faz com que algo prevaleça. Mas é do movimento, do vir-a-ser, a dinâmica de erigir. E o que parecia perene, perece.

Tomemos como exemplo, nossa atual concepção de ‘louco’. Honrado noutro momento da história, pois considerado totalmente tomado pelo divino, o louco já foi digno de respeito e reverência. 

Hoje, o senso comum veraciza o louco como doente mental, indigno de crédito: “Estas concepções tiveram e tem relevância pública e, através delas, as interações humanas e a organização social se estruturam desta ou daquela maneira.”

Tendo o senso comum, de relevância pública, conceituado e veracizado a loucura como sendo doença, a sociedade moderna: “institucionalizou tratamento e propulsionou toda uma sistemática em torno dela, desde laboratórios e centros especializados de estudos até a formação de profissionais, desenvolvimento de drogas, medicamentos, aparelhagens e instalações (como os hospícios), produção organizada e literatura específica, etc.”.

Oriundos de novos consensos de relevância pública há infindáveis e irrefreáveis desdobramentos de novas realidades (para os idosos, os deficientes, os homossexuais, os obesos, etc.).

A ratio, passível de ser manipulada pelo jogo de interesses daqueles que detém poder, aponta e respalda o que é (ou não) de relevância pública. Cria e justifica a necessidade de incluir ou banir o que quer que seja do convívio social: “(...) todo movimento de veracização de algo subsiste pela articulação dos jogos de poder. E aqui não nos referimos ao poder político ‘stricto sensu’, mas a todo jogo em que alguns indivíduos ou grupos que por eles se desvela, revela e testemunha. É um jogo de convencimento, ao qual pertencem, inclusive, todas as formas de competição.”

Obviamente, os meios de comunicação de massa estão a serviço da veracização. Algo tomado por ‘verdade’ pelo senso comum, torna-se ‘real’. E a realidade tangencia e conduz nada menos que o próprio destino da humanidade.

Sobre a autenticação, que é a última etapa no movimento de realização da realidade, convém esclarecer que, diferente do testemunho e da veracização, ela é obra do próprio indivíduo: “É através de cada homem que o que aparece tem sua mais plena alternativa de se tornar real. E de se tornar real para outros.”

A singularidade (pessoal e intransferível) é de vital importância para o conhecimento. Quem, por fim, valida ou não a existência de Deus, por exemplo, independente do que quer que tenha sido veracizado, é um indivíduo particular: “Daí que todas as coisas de que falamos, com que temos contato, de que ouvimos falar ou compreendemos só chegam a ser consistentes pela experiência individual. Experiência que não está embasada pelo raciocínio ou pelo entendimento intelectual, mas passa pelo crivo do sentir. Por isso dizemos que Deus só tem consistência pela fé de alguém.” A razão veraciza, mas quem autentica é a sensibilidade.

Para além de combustível do eterno embate entre Individual X Coletivo, o particular e o universal, onde um não resiste, sequer existe, sem o outro, para a fenomenologia, cabe ao Homem, por um breve e irrepetível instante, vivenciar a grandeza desse magnânimo estatuto divino: Ser o que É.

Em memória do distinto Dr. José Antônio Batistela*
(*) Vizinho, Dr. Batistela, faleceu em 22 de agosto, aos 72 anos, vítima de câncer no pulmão. Foi sepultado neste dia, às 16h30min. No mesmo horário, a porta de vidro temperado da ESDC estourou, algo que nunca havia acontecido antes, em todo o Edifício. Observamos que um cartaz, fixado em sua porta, informava: “Fechado por motivo de LUTO”. Este advento foi desvelado, revelado e testemunhado por três pessoas: eu, Profª Elaine Vessoni e D. Sueli Arrechi. Embora a sociedade ainda não veracize a presença de “Espíritos”, todas nós autenticamos a evidência deste inusitado e intrigante advento.

1 de ago. de 2011

As 5 Etapas do Movimento de Realização da Realidade - Parte I


“A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras.
Elas são nossa única realidade ou, pelo menos,
o único testemunho de nossa realidade". Octavio Paz

O que torna a realidade ‘real’? Em sua obra “Analítica do Sentido – Uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica”, Dulce Critelli, profunda estudiosa do filósofo existencialista Martin Heidegger (vide artigo abaixo, publicado em nosso Blog: http://www.lucienefelix.blogspot.com ), nos esclarece sobre a realidade e seu movimento de realização.

De acordo com esta corrente filosófica, a condição sine qua non para que algo seja percebido, ou seja ‘exista’, é a luz (do grego, phós). Luz, tanto do ser e dos seres que são e se dão a perceber, quanto do olhar humano “que se institui como sua clareira”, seu lugar de aparição.

Mas, embora seja o indivíduo quem vê, seu olhar não é individual. Existimos com os demais, ou seja, compartilhamos uma coexistência e esse ser-no-mundo com os outros, além de fundamentar e possibilitar o conhecimento é igualmente, fundamento para o aparecimento dos entes: “O olhar do homem é constituído por sua coexistência, que, como tal, é fundamento do movimento de fenomenização dos entes e do fenômeno.”, afirma Critelli.

Como não somos sós, é a coexistência que fundamenta o movimento fenomênico do mostrar-se/ocultar-se dos entes em seu ser, o ‘acontecimento’: “Pois é desde o que acontece que a possibilidade ontológica pode ser compreendida como possibilidade e, portanto, como fundamento desse acontecimento”, diz a autora.

Dessa forma, por estarmos concretamente no mundo com os outros, situados geográfica e historicamente (datados no tempo), instaura-se nosso duplo caráter, que é o de ser “o lugar, ou a clareira onde o ente pode manifestar-se para um olhar e, ao mesmo tempo, ser o olhar, ou a iluminação que provê esta mesma manifestação”.

Para que algo ‘apareça’ é necessário que tenha como origem a iluminação daquele que percebe, recolhe, apanha, e que esse apanhado seja compartilhado numa coexistência, cuja função é justamente permitir este mostrar-se fenomênico.

Em termos de realidade, é sendo um ser-no-mundo com os outros que o fenômeno É. Quando o ente aparece, ele já foi forjado como real. As coisas não se mostram primeiro para somente depois serem convertidas em realidade: “(...) a própria percepção de algo pressupõe que esse algo tenha sido o resultante de um movimento de realização”.

Chamamos a atenção para o fato de que esse movimento de realização, que é o que permite a aparição dos entes, “cujo fundamento e desdobramento são atemporais, existenciais e não meramente metodológicos” difere da compreensão metafísica.

Enquanto para a metafísica há o Ser (inapreensível), para a fenomenologia, isso não é absolutamente definitivo: muito do que não se abarcava antes, hoje é perfeitamente compreensível; do mesmo modo, há muito por ser revelado. Assim, metafísica e fenomenologia existencialista, diferem sobre a interpretação do que seja o real, a realidade.

Fenomenologicamente, o que torna os seres reais é:

1) Quando desocultado por alguém: desvelamento,
2) Ser acolhido e expresso através de uma linguagem: revelação,
3) Quando visto e ouvido por outros: testemunho,
4) Quando o testemunhado é referendado como verdadeiro por sua relevância pública: veracização e,
5) Uma vez publicamente veracizado, algo é efetivado em sua consistência através da vivência afetiva e singular dos indivíduos: autenticação.

Em virtude de limite, por ora, discorreremos sobre as duas primeiras etapas, ou seja, até o momento em que a existência de OVNI's e fantasmas (ou almas d’outro mundo) é possível: desvelamento (desocultamento) e revelação (palavra).

Desvelamento: enquanto as coisas não forem expostas à luz e desveladas (retirado o véu) por alguém, permanecem no reino do nada, ocultas. Mas o que for trazido à luz não permanece, necessariamente, desvelado para sempre, tampouco do mesmo modo.

Um exemplo dessa mutabilidade é a crença que os antigos gregos tinham de que a natureza era presidida por divindades. A ‘desocultação’ (desvelamento) dessas forças vitais se alteraram ao longo de nossa existência: “É toda uma trama de organização social, histórica, coexistencial que se estabelece a partir de cada uma dessas perspectivas.” Outrora deuses, ora arquétipos (junguiano), ora razão, etc., antes, pertenciam ao reino do nada e ansiavam pelo desvelamento.

Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), essas forças vitais abrangem todas as ações históricas (ele denomina de “Razão Absoluta”), nem míticas tampouco religiosas, mas algo “determinante, quase fatal, – irreprimível.” Universais e com poder de engendramento, nos movem, mesmo que não tenhamos consciência ou controle sobre elas: “(...) transcendem nossa mera vontade, posição, nosso saber e controle objetivo das situações.” É uma possibilidade.

Para a fenomenologia existencialista, o ente também se mostra quando volta para o escuro, para o reino do nada e fica encoberto. Também pode ser ignorado, esquecido, desentendido (compreendido e, depois, desaprendido) e até, por distração, ocultado.

O aparecimento das facetas ocultas dos entes se dá à luz do tempo do existir e não necessariamente do esforço racional e cognitivo: “A volta para o velamento que constitui o mostrar-se dos entes, o encobrimento de suas facetas, não é nada negativo, mas essencial.” Velar, esquecer, torna a existência mais suportável.

As coisas não se revelam no total de suas possibilidades, mas totalmente em uma de suas possibilidades: “Este movimento é existencial, temporal.” E o que aparece precisa de alguma duração para que possa chegar à realização: “A chance de conservação da faceta ou da possibilidade desvelada da coisa está dada pela linguagem.”

É a linguagem. Sendo assim, será NA e PELA palavra que o que foi desvelado dos entes poderá ser exposto. Daí, adentramos à 2ª etapa desse ciclo de movimento de realização da realidade:

Revelação: Confirmamos e conservamos a manifestação do que aparece através da fala: “A palavra é o duplo do ser”, diz o filósofo Merleau-Ponty. “A linguagem é a casa do ser”, afirma Heidegger.

A condição para que algo exista é poder ser apresentado pela linguagem. As coisas são através da fala. Do que não se fala sequer se cogita a existência. Mesmo que exista, não sendo verbalizado, não é satisfatoriamente revelado.

Nos relatos míticos, temos a união entre o criador e a criação por meio das palavras: “Através do falar, na existência humana, é que o ser das coisas pode ser veiculado. (...) Essa é a função dos argumentos, das teorias: a reunião dos significados das coisas, a fim de exibi-las em seu sentido, em seus nexos e possibilidades ininterruptas de aparecimento.”

Registrar conserva: “O desocultado precisa ser expresso em alguma linguagem para chegar a mais primária forma de aparecimento e manifestação.” Desvelar é comunicar, tornando comum. E é na linguagem que o significado das coisas pode ser trazido à tona.

O portentoso estatuto da palavra deve-se ao fato dela acolher, guardar, conservar e expor o ser que, fora delas, “podem estar por ai, mas não são o que são e como são.” A comunicação é fundamental para a revelação, para tornar os homens ‘humanizados’ e para possibilitar o terceiro momento no movimento de realização, que é o testemunhar.

Sem testemunho, o que foi desvelado e revelado se esvai, dissolve-se, dissipa-se, não se sustenta. Para a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), o principal atributo do mundo é o fato de ele ser percebido em comum por todos nós.

Testemunhar, veracizar e autenticar são temas de nosso próximo encontro.

* Confira aqui como os bastidores da política e da economia internacional são desvelados, revelados e testemunhados: http://blogdoklebers.blogspot.com/


Dia 25 de agosto (5ª feira) - Tema: "Os 7 Pecados Capitais".
Pré-requisito: leitura prévia deste artigo (vide no final do Blog).

ATENÇÃO:

Em virtude da Palestra a ser proferida pelo Prof. dr. Alberto Bernabé, da Universidade Complutense de Madrid, um dos maiores estudiosos, hoje, do orfismo, virá a São Paulo para fazer conferências sobre o assunto, inclusive com as novidades que surgiram em novas tablitas encontradas nas últimas décadas em escavações, transferimos a data de nosso Café filosófico para o dia 25 de agosto, no mesmo horário.

Dia 18 (próx. 5ª feira), às 15 e às 19h: “La filosofía como iniciación órfica
Local: PUC-SP - Auditório, ao lado da Biblioteca do prédio novo.

1 de jul. de 2011

HEIDEGGER e uma Filosofia da Existência


A existência precede a essência” Martin Heidegger (1889-1976)
A existência precede e governa a essência Jean-Paul Sartre (1905-1980)


Por mais de dois milênios, órfãos e perplexos, prostamo-nos à soleira da porta da Metafísica (me ta tá physica, do grego, o que está além, acima da physica), mendigando conhecer sobre o Ser, o mundo e a vida, presumindo-os existentes (reais) independentes da presença desse angustiado desejoso de saber.

Desde Platão e Aristóteles, a concepção que temos dos, aparentemente intransponíveis, mistérios da vida (vide as big questions: quem somos, de onde viemos e para onde vamos?) é de inacessíveis ao intelecto.

Para muitos, a impenetrabilidade de uma única, eterna e imutável “Verdade” revela-se reconfortante. Mas esta, reivindicando para si “inquestionabilidade”, torna-se dogmática.

Ousando discutir o quão única e absoluta a metafísica não é, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), em sua obra “Ser e Tempo”, desconstrói o arcabouço do saber metafísico e erige uma nova ontologia (ciência do Ser enquanto Ser), inaugurando uma via de conhecimento fundada numa episteme (ciência da Teoria do Conhecimento) fenomenológica.

Epistemologicamente (ramo da Filosofia que se debruça sobre a questão do conhecimento), por milênios, permanecemos enredados na crença e na busca de uma única via de acesso ao Ser dos entes e à sua Verdade: inteligíveis, mas indizíveis.

E do Ser, que É, desde Parmênides, emudecido [“Eu sou o que sou”, disse Deus a Moisés], só se podia pensar, sendo o “Pensar”, limitado pela incapacidade de “dizer”, confinamo-lo.

Apenas das coisas que são, dos entes que se dão a conhecer, via lógos, através da linguagem, afirmamos isso ou aquilo. Mas, mesmo antes de indagar o que é, somos! Ser, existir é condição humana ontológica (fundante): 1º somos, existimos, depois pensamos “o que”, ou melhor, buscamos QUEM somos.

Imbuídos de desvendar que critérios adotar para que, nesse mundo inóspito e incerto, a perspectiva de alguma segurança nos fosse acenada, estabelecemos que somente a precisão metodológica do conceito (representação) garantiria ao conhecimento humano sua imutabilidade, unicidade e absolutidade. Eis a metafísica legada pela tradição.

Confortou-nos do incômodo que é o inefável, intangível, impalpável, invisível e indizível (metafísica) o “Demiurgo” (Platão), conceituado/representado, como sendo uno, eterno e incorruptível (Ideia, lugar da manifestação da Verdade de tudo o que é), o Movente Imóvel (Aristóteles), que estabelece que pertence ao intelecto esta função do conhecimento e, também o “Pai” do racionalismo, o filósofo francês René Descartes (1596-1650), que modulou este intelecto “cujo único procedimento aceitável é o do cálculo e do controle lógico-científico da realidade (...)”.

Descartes persegue e encontra o porto seguro para o Pensar, de fora, exterior e à distância, para assim, poder olhar e examinar o mundo, a existência e tudo o que dela faz parte: “Um ponto fora do mundo que ‘ex-tranhe’ o homem de suas situações de vivência, de suas sensações e sentimentos”, numa palavra, da realidade em que se circunscreve.

Retirado do homem as condições básicas e elementares de sua humanidade, instala-se o Cogito, ergo sum (Penso, logo existo): “um poder humano, embora sem humanidade, equívoco quanto à sua soberania e sua independência em relação às condições ontológicas plenas do homem”. Mas o contexto fundamental, ontológico do Ser não é somente o Pensar, é também Existir.

Sob a égide do cogito, o ocidente moderno aceitou esta via como a única perspectiva adequada, viável e válida para a aproximação entre homem e mundo e o que este poderia vir a saber, inclusive, dele mesmo.

Ao longo da história da episteme ocidental, na busca por um alicerce, o homem “baseou-se na dúvida de si mesmo, lançando para fora de si (de sua ontologia, das condições nas quais a vida lhe é dada) a possibilidade de qualquer domínio da realidade, inclusive de suas ideias.”

Para o “Pensar Metafísico”, a validade de um conhecimento é assegurada pela construção de conceitos dentro de parâmetros lógicos. Obviamente, isso nos priva da intimidade que possa haver entre nós e o mundo, ou seja, da experiência que possa advir da fruição de estar no mundo.

Segundo afirma Dulce Critelli, em sua obra “Analítica do Sentido – Uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica”: “A dificuldade da episteme metafísica em aceitar a relatividade da perspectiva e da verdade, levando-a a negá-las, está já na origem mesma de seu nascimento: a perplexidade diante da aparição, da mutabilidade e da degeneração dos entes sensíveis (Platão); e a insegurança emergente diante da descoberta dos sofistas de que, sendo o ser dos entes inefável, as coisas são o que se “bem” diz que elas são (oratória).”

Negar a relatividade da perspectiva da verdade é justamente o que constitui a episteme metafísica. Para a fenomenologia, a insegurança dessa relatividade é própria, inerente ao existir (ser): “A existência precede a essência”, diz o Existencialismo.

Chamamos a atenção para o fato de que, instrumentalizada dessa forma, a ratio (reconhecidamente planejada e estruturada) nos fornece UMA das alternativas de conhecimento, de aproximação do real, da realidade: “A insegurança ou a fluidez do aparecer dos entes e das possibilidades de apreender e expressar seu ser não são, por si sós, indicativas da falsidade de uma perspectiva, nem da irrealidade de um ente qualquer. Também não indica, como queriam os sofistas, a inefabilidade dos entes”.

A dificuldade que temos de apreendermos a aparição dos entes em sua totalidade se deve justamente aos modos constitutivos e originários do mostrar-se dos entes e do pensar, que são igualmente inseguros e fluídos.

Ao pretender superar a instabilidade do ser e dos seres que são, a metafísica alicerça a possibilidade de conhecimento sobre a segurança da precisão metodológica do conceito, como se com a razão (Cogito, lógos, ratio), com uma forma ‘lógica do Ser’, a permanência estivesse assegurada. E está, desde que limitadoramente, sob este prisma.

Reiterando, a fenomenologia existencial instaura possibilidades de conhecer nos angustiantes modos infindáveis de se Ser: “Enquanto a metafísica reconhece a possibilidade do conhecimento fundada na relação entre o sujeito epistêmico [cognoscente] E seu objeto [cognoscível], tomando-a como resultante de uma produção humana – a representação –, a fenomenologia funda tal possibilidade na própria ontologia [modo de ser] do homem, pois ela é uma das condições em que a vida nos é dada.”

Para Heidegger, a relatividade dos entes é a condição de manifestação deles mesmos, diz respeito à provisoriedade aos quais estão sujeitos, uma vez que tudo o que é vem a ser e permanece sendo “no horizonte do tempo e NÃO do intelecto, e em seu incessante movimento de mostrar-se e ocultar-se.” Para o existencialista, o que está oculto é o nada, sendo o homem o sujeito epistemológico, ele cria a realidade, dizendo melhor, a descobre.

Veja neste Blog, artigo sobre "Descartes e o Discurso do Método".
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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

Curso de Mitologia Grega
As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

Busque sempre a excelência!

TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

Você se sentiu ofendido...

irritado (em seu "phrenas", como diria Homero) ou chocado com alguma imagem desse Blog? Me escreva para que eu possa substituí-la. e-mail: mitologia@esdc.com.br