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1 de dez. de 2009

Por que cremos?



“Oh! Virtude, ciência sublime das almas simples, serão necessários então, tanta pena e tanto aparato para conhecer-te? Teus princípios não estão gravados em todos os corações?" Jean-Jacques Rousseau.

Nessa época do ano realça-se o sentimento de religiosidade. Muitas pessoas, até involuntariamente, experimentam solene introspecção. A ocasião parece apropriada para refletirmos sobre o surgimento da religiosidade humana e seu desaguar no vasto campo das religiões.

Surpreende o fato de somente agora a religiosidade estar sendo apontada como um dos fatores que contribuíram para a evolução do homem na terra. Segundo o jornalista do The New York Times, Nicholas Wade: “A religião carrega as marcas de um comportamento evoluído, o que significa que existe porque foi favorecida pela seleção natural. É universal porque está impressa em nossos circuitos neurológicos desde antes de os primeiros humanos se dispersarem a partir da África”.

Se, como diz Nicholas, “(...) a religião evoluiu porque conferia benefícios essenciais às primeiras sociedades humanas e seus sucessores”, estamos diante de fato irrefutável, mas não paradoxal. Numa palestra intitulada “Origens da Religião e Pólis Grega(disponível em vídeo no site da Escola Superior de Direito Constitucional: www.esdc.com.br), que proferi em 2007, explico como e porque o próprio Estado já nasce no seio da religiosidade humana.

O artigo do Times, começa afirmando que dois arqueólogos “fizeram uma descoberta notável sobre a origem da religião ao longo de 15 anos de escavações (...)”. Ora, os primeiros ensaios de uma comunidade gregária se deram em torno dos alimentos. As primevas organizações políticas, as mais primitivas comunidades surgem tendo como esteio essa voraz necessidade dos indivíduos de, juntos, enaltecerem a magia que os circundava e, desse modo, em sincronia se estreitarem à natureza que os provia.

Embora o “Pai” da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939) com propriedade, tenha apontado a religião como sendo uma espécie de delírio coletivo, a religiosidade “em si”, que floresceu em nossos antepassados não fora um mero e infundado “delírio coletivo”: a crença, em sua origem, foi fomentada por instinto de sobrevivência.

A abundante, diversificada e bem orquestrada “mãe-natureza” serviu de base a nosso primevo e rústico tecido social. O nascente e o poente, os ciclos de lunação, as estações do ano, o cortejo dos planetas por entre as constelações fixas, cachoeiras, rios, lagos e mares; trigo, milho, oliveira, cevada e todas as aves e os animais, além de reais, eram tudo o que tinham para inteligir a potência (dýnamis) da vida.

O homem primitivo, de racionalidade ainda rudimentar, encontra uma forma mítica para compreender e explicar aos demais a realidade que os circunda. O pequeno grupo ao qual pertence, se convence da lógica embutida nessas explicações.

Surge então um elo comunitário de compreensão dos fenômenos mais prosaicos, irrompidos periodicamente em seus habitats. Rituais que celebram a magia de inícios e fins (ciclos de vida e morte) são estabelecidos consensualmente.

É sabido que o comportamento religioso (qualquer que seja a forma de religação adotada) é identificado em todas as sociedades humanas, independente de qual seja o estágio de desenvolvimento em que se encontre. Digno de nota é o fato de que nesse estágio da religiosidade, o sujeito encontra, no meio no qual se insere, correspondência análoga às suas expectativas individuais.

A adesão aos ritos é espontânea e essa sacra consonância, essa fusão de valores criará um elo de fidelidade entre os membros, tornando o grupo forte e coeso. Unidos, amparando-nos mutuamente, sempre fomos mais fortes e detemos maiores oportunidades.

A religiosidade humana se impôs, inicialmente, por questão utilitária, sobretudo depois que o homem deixou de ser nômade, buscou abrigo fixo e, dependendo da agricultura (entenda-se estações do ano) sabiamente passou a ir ao encontro do tempo cíclico, em simbiose com a natureza.

Embora até hoje não tenhamos deixado de beneficiarmo-nos da caça (presente, ao menos duas vezes por dia, na mesa dos abastados), foi devido ao reconhecimento às misteriosas dádivas de Deméter (deusa grega da agricultura - Ceres em romano, daí a palavra cereal) que nossos ancestrais se aproximaram comungando e rejubilando-se num sentimento de pertença (confira breve relato desse mito celebrado nos “mistérios de Elêusis”, cerca de 800a.C. em "primavera", nesse Blog).

Mas não se intenta subjugar o acaso e seus inescrutáveis caprichos apenas manifestando gratidão . É fundamental evitar os “castigos” interpretados como zangas divinas. Deimos e Phobos (1) sempre foram meios de persuasão muitíssimo convincentes.

Por receio de que mazelas sucedam a todo o clã, expulsa-se transgressores das leis, os profanadores dos costumes sagrados; rituais de expiação zelam pela manutenção da ordem, da paz e das boas graças de uma “autoridade invisível”.

Arregimenta-se credulidade também sob coação, pelo sentir dilacerado da dor. Podia acometer-nos a morte, oriunda das guerras, da fome, de doenças, furacões, vulcões, raios, enchentes, maremotos, enfim, temíamos que pairasse sobre nossa família e/ou comunidade grandes males e infortúnios.

Nesse estágio da religiosidade humana, legitimar a autoridade do grupo levando-nos a colocar o bem-estar do clã acima de nossos interesses pessoais é atitude altruísta que mais nos humaniza; é o que nos tornou e nos tornará sempre mais “humanos”.

Alguns estudiosos tem levantado a hipótese de que, se com a teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882) compreendemos que sofremos alterações com o constante aprimoramento de nossas aptidões físicas, não é improvável que o mesmo tenha ocorrido em nossa psyché.

Nesse sentido, Nicholas Wade afirma: “O que a evolução fez foi dotar as pessoas de uma predisposição genética a aprender a religião da sua comunidade, assim como há uma predisposição para a linguagem. Tanto na religião quanto na linguagem, é a cultura, e não a genética, que fornece o conteúdo do que é aprendido”.

O fato da religiosidade poder ser observada sob uma perspectiva psiquicamente evolucional, como algo que tenha fomentado, alicerçado e impulsionando o desenvolvimento das sociedades humanas não desempata o duelo entre crentes e ateus pois, como aponta o próprio autor: “O favorecimento da religião pela seleção natural não comprova nem refuta a existência dos deuses”.

Nicholas chama a atenção para o fato já sabido de que em “sociedades hierárquicas maiores, os governantes cooptaram a religião como fonte de autoridade”, o que resvalará em atrocidades ou, no mínimo nos tais “delírios coletivos” apontados por Freud, algo que nem crentes nem ateus suportam mais testemunhar.

Se lastimavelmente, algumas religiões e seus ferrenhos seguidores acalentam preconceitos, promovem guerras e perseguições é porque se esqueçam de que seu longinquo e nobilíssimo berço é ser primeva fonte de amparo à fragilidade humana. Deturpam a religiosidade que surgiu, em nossos antepassados unindo os homens na imprescindível promoção do bem estar da coletividade, que “subjaz a” e “abarca a” função social.

A religiosidade primeva não escandaliza a razão. É de uma inteligibilidade intuitiva, dispensando provas ou argumentos, é puro instinto de sobrevivência “impressa em nossos circuitos neurológicos” como denominam os cientistas.

Vislumbraram a Alma (psyché), outrora tão magnânima em seu propósito de nos religar com a ordem (cosmos) presente na natureza (physis) da qual também fazemos parte. Espantados constatam: fomos feitos para crer.

1- Deimos e Phobos: terror e medo, filhos do deus grego da guerra, Ares, que na mitologia romana será denominado Marte. Esse é também o nome dos satélites naturais desse planeta.

1 de nov. de 2009

ADULTIZAÇÃO - Exploração das ninfetas


"O bom senso é a qualidade mais bem distribuída entre os homens, pois todos pensam que a possuem o suficiente" René Descartes (Filósofo francês)

A beleza é uma promessa de felicidade. Nas campanhas publicitárias, quando associada aos produtos, nos seduz, detendo estatuto de virtude, constituindo insígnia de classe e bom gosto.

Indagado sobre a importância da beleza, Aristóteles teria dito que somente um cego faria essa pergunta. Sabedores de que uma petrificante beleza confere inegável poder, o que dizer da “tenra” e “fresca” beleza feminina quando ela pura e simplesmente desponta?

Símbolo da delicadeza que é a pureza inviolada, o termo “ninfeta” deriva do grego nymphé, significando botão de rosa, menina adolescente, noiva, púbere, velada. Segundo registros mais arcaicos, são mortais, mas permanentemente jovens e graciosamente diáfanas. Não são mais crianças: nem meninas, nem mulheres – magia – elas estão em toda parte.

Habitam fontes (Crenéias), rios (Náiades), lagos (Pegéias), mares (Nereidas e Oceânides), árvores (Hamadríades), vales (Dríades), florestas, selvas (Napéias) e também as montanhas (Oréades). Em Homero e Hesíodo, as mais antigas são as Melíades, descendentes do céu (Ouranós), mas também serão retratadas como sendo filhas de Zeus.
Desde os primevos aedos, o mundo dessas “fadas” evoluiu muito e hoje elas povoam as ruas, as praias, os parques, as escolas e os shoppings. Mortais, mas eternas, as ninfetas são verdadeiramente encantadoras.

A deusa Hera, rainha do Olimpo (esposa de Zeus), é a soberana dos amores legítimos, por razões igualmente legítimas, sempre se envolverá em conflitos nesse cenário, pois, são constantes as investidas de Zeus às ninfas e Hera é a guardiã dos contratos e a protetora dos casamentos.

Embora a idade assentada para união (entenda-se vida sexual) seja cultural, biologicamente, a menarca (primeira menstruação) constitui indício de que os órgãos responsáveis pela reprodução humana estão aptos a iniciar suas funções. É fato que, ao longo de nossos mais de dois milênios, a idade cronológica da ocorrência da menarca têm se antecipado.

Conta-se que na Grécia antiga, com cerca de doze anos, as meninas recolhiam suas bonecas, seus brinquedos, seu último vestidinho de infância e, reunindo-os como dádivas, deixavam-os na entrada duma floresta. Esse ritual visava pedir a proteção da deusa Ártemis para o parto.

Obviamente não significa que saiam dali para parir, mas que já se encontravam aptas ao matrimônio. Historiadores relatam ter sido encontrada uma antiquíssima rocha com inscrição de um pai rogando bênçãos e agradecendo a proteção para a filha.

Independente de reverências cerimonialísticas religiosas ou meramente sociais – como os bailes de debutantes – pré-adolescentes são Botticellis vivos que catalisam e deleitam o olhar de homens, mulheres, jovens e idosos.

Ninguém é indiferente ao – algumas vezes sobrenatural – desabrochar duma ninfeta. Filha, irmã, sobrinha ou neta, todos já tiveram, tem ou terá alguma(s) enfeitando a casa, na família.

Diferente das ninfas dos museus (cujo termo, apropriadamente vem de Musa), retratadas com respeitosa e inefável maestria por Volegov, Bouguereau e Vermeer, por exemplo as de hoje tem sido aviltantemente exploradas por uma ideologia capitalista de modo muito similar à ideologia totalitária que cegou o carrasco nazista Karl Adolf Eichmann (leia nesse Blog, artigo intitulado “Hannah Arendt – No murmúrio da multidão a consciência adormece”).

Detentoras de um encanto, por natureza, tão deslumbrante quanto efêmero, imprimi-se inequívoca eroticidade às ninfas. Na boca, geralmente entreaberta, destacam-se os lábios com gloss a fim de passar a sensação de convidativa umidade.

Orienta-se a luz, estrategicamente oculta sobre os seios ou por entre as pernas – mesmo vestidas, as próprias mãos ou algum objeto dissimuladamente próximos à região pubiana insinuam lascívia.

Se as ninfas retratadas outrora dirigiam um olhar de piedoso desamparo, algo entre a surpresa e o recato, nas de hoje testemunhamos uma desconcertante profanação dessa pureza.

É justamente isso que os profissionais perseguem: traficar a mais ingênua expressão de pudor com dissimulada perversidade.

Assim como o burocrata nazista Eichmann, publicitários, marqueteiros e empresários (como o dedicado ao comércio de moda, Tufi Duek, cujo site disponibilizo abaixo) não são demônios encarnados. São indivíduos absolutamente “normais”: zelosos pais de família, cumpridores das responsabilidades civis, em dia com os impostos e obrigações sociais. E, vale dizer, talentosos!

Mas, em geral, inadvertidamente, adoradores de ouro, anseiam pelo polêmico destaque midiático que multiplicará seus lucros. Tendo suas sinapses vorazmente ativadas na busca desenfreada por ascender econômica e socialmente no exercício de suas technai, muitos não se detém a questionar o éthos que lhes compete.

Sinapses desativadas, “esquecem” que, como indivíduos ou grupo de indivíduos, também são responsáveis pela formação dos valores da sociedade que os acolhe e que lhes permite prosperar. Acometidos por uma espécie de “eichmannite”, não pensam.

Banalizando as imagens de pudicas ninfetas, não atentam ao alcance de suas ações, não indagam se podem ou não estar incitando perversidades como a pedofilia.

Se a crueldade do sistema totalitário cria pessoas destituídas da mínima capacidade de distinguir o bem do mal, de atinar para as conseqüências de suas ações, pois se encobrem no coletivo, o sistema capitalista quando igualmente encoberto por nós, tendo como télos (objetivo, propósito, finalidade) o lucro a qualquer custo, segue com notória avidez, o mesmíssimo caminho.

Obviamente, o sistema totalitário seqüestra ainda mais nossa liberdade que o sistema capitalista, pois esse último, ainda que se ancore num instrumental extremamente apelativo, não nos impede absolutamente de pensar, refletir, julgar e, conforme o caso, se nos sentirmos atingidos em nossos “phrenas”, como diria Homero, denunciar.

Farra de velhacos, não há como impedir que uma jovem goze da liberdade de poder negociar seu corpo (talvez até para se vestir com grifes), mas devemos evitar que a institucionalização do abuso nas imagens das ninfetas seja algo legitimado pelo Estado ou ainda que conte com a anuência dos adormecidos cidadãos.

É preciso ponderar sobre o efeito dessas ordinárias extrapolações, desses apelos maliciosos – sobretudo com modelos verdadeiramente precoces – nos meios midiáticos.

Sem a prudência de um Ulisses, que pediu para ser amarrado ao mastro, a massa se perde no “canto das sereias”. Delirantemente embriagados pelo incessante tilintar das caixas registradoras, sob aplausos e holofotes, facínoras podem (metaforicamente) “estuprar” toda uma sociedade. Pathetikós, filisteus os alçam à “elite”.

Felizmente, desde os primórdios, “Aristois” - os melhores, os bem educados – são os que pensam. Àqueles que, mesmo após partir, permanecem contribuindo para a evolução do aprimoramento da humanidade. Os que nos fizeram, fazem e farão pensar, como Hannah Arendt.

Saiba mais:

"(...) Forum traz a sua essência de ousadia, vanguarda e transgressão (FALTA DE NOÇÃO!), características que construíram o reconhecimento ao longo do tempo da sua origem jeanswear".






1 de out. de 2009

Incesto e Pedofilia



Areté, em grego é excelência! Àquilo para o qual algo foi feito: a areté do olho é enxergar bem; a do médico, curar; a do guerreiro, vencer, a da empresa, lucrar. Qual é a “Areté”, a excelência do Mal?


Sem sombra de dúvida, incesto e pedofilia encabeçam a lista dos mais abjetos e repugnantes delitos; seguramente os que mais causam repulsas e indignação à sociedade.

É precisamente o interdito, a proibição do incesto, como aponta o renomado antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908) o que opõe o homem ao animal: “constitui o passo fundamental graças ao qual, pelo qual, mas, sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza para a cultura”, definindo o âmbito limítrofe entre o estado de natureza e o de civilização: “o limite oposto à [liberdade] livre atividade conferiu um novo valor ao irresistível impulso animal”. Somente nós valoramos.

A fim de ampliar ainda mais a compreensão desse alcance – de poder valorar e escolher –, a interdição do incesto é o que o pensador francês Georges Bataille (1897-1962), em sua obra “O erotismo” denominou “um fato social total”, isto é, dotado de uma “significação simultaneamente social e religiosa, mágica, econômica, utilitária e sentimental, jurídica e moral”. Entrevemos a centelha divina da ratio ao atentar que: “O incesto é uma dessas situações que só têm existência, arbitrária, no espírito dos seres humanos”. Por dispor da força que é o Espírito iluminado pelo lógos, instituto que nos distingue, somos livres para pensar, deliberar e escolher.

É perfeitamente compreensível que o tipo e intensidade de contato físico submetem-se às normas sociais e que a malícia não está nos atos em si. Mas, desde os antigos gregos, cuja cultura permitia certos costumes inconcebíveis nos dias atuais, sempre houve os doentiamente perversos.

Sobre a obscenidade ser uma relação, afirma Bataille: “Não existe ‘obscenidade’ como existe ‘fogo’ ou ‘sangue’, mas somente como existe, por exemplo, ‘ultraje ao pudor’. Isso é obsceno se essa pessoa o vê e o diz, não é exatamente um objeto, mas uma relação entre o objeto e o espírito de uma pessoa. (...) as acomodações com as necessidades da vida são numerosas”. Não há como banir a inerente sexualidade, apenas restringir os campos onde não nos é permitido manifestá-la. Somente estabelecendo valores que renunciem à barbárie, protegendo os inocentes da violência é que, em oposição à desordem animalesca “do gozo imediato e sem reserva”, realizamos nossa humanidade.

Regressemos à Helade a fim de discernir o que foi o Paidóphilos em seu ainda não desvirtuado [literalmente destituído de virtudes] sentido original. Do termo grego Paideuma, que remete a problema/fonema, uma espécie de placenta de onde tudo sai (e tudo o que “sai” é a palavra, ação por excelência) derivará a palavra Paidéia, ensino, orientação.

Paidagogós é àquele que toma pela mão e educa (culminará em nosso conhecido termo pedagogia) e originalmente pedagogo é o escravo encarregado de acompanhar os jovens à palestra e à escola. Paidóphilos seria, portanto, o instrutor (pai, tutor, enfim, uma pessoa mais velha) que dedica um tipo de amor, amizade (philía) pela criança. Entretanto, Paidóphilos, acaba por significar alguém que nutre pela criança sentimentos/impulsos eróticos.

Uma das mais lúcidas críticas ao desvirtuamento do Paidóphilos já entrevemos no diálogo de Platão “O Banquete”, sobre o Amor, escrito em cerca de 400 a.C. Pausânias, denunciando esse ponto nevrálgico, apontará que toda ação “em si mesma, enquanto simplesmente praticada, nem é bela nem feia (...) o que é bela e corretamente feito fica belo; o que não o é fica feio. Assim é que o amar e o Amor não são todo ele belo e digno de ser louvado, mas apenas o que leva a amar belamente”.

Reiterando, diz Pausânias: “(...) se decentemente praticado é belo; se indecentemente, feio. Ora, é indecente quando é a um mau [doente] e de modo mau que se consente [obtenção de vantagens] e, decente quando é a um bom e de um modo bom. E é mau aquele amante popular [o que sucumbe aos apelos da carne, pois Afrodite/Eros se subdivide em Urânia, a Celestial e Pandêmia, a de todo povo], que ama o corpo mais que a alma (...)”.

A philía confere uma nobreza que a impede de encobrir-se, Pausânias atesta: ”ser mais belo amar claramente que às ocultas”. Não por acaso, uma das características dos transviados que, desrespeitando limites, resvalam à bestialidade de incorrer no erro de praticar um interdito (incesto, pedofilia, necrofilia, etc.) é o empenho no cuidado de esconder suas ações.

A fim de ilustrar a dificuldade em distinguir o amor que é belo do que é feio, um desvio: “não é isso uma coisa simples”, diz Pausânias, relato que, quando minha primogênita contava com cerca de seis meses, viajei até uma cidade próxima, para que uma querida e já idosa caseira, a conhecesse.

Eis que a referida senhora, muitíssimo grata e feliz por nossa visita, pediu-me para trocar-lhe a fralda. Atendi-a prontamente, disponibilizando-lhe todos os apetrechos de higiene. Após retirar a fralda de xixi e limpá-la com lenços umedecidos, qual não foi minha surpresa testemunhar que ela começou a “fazer festa” nos genitais da tenra criança dizendo: "mas que gordinha! É muito linda, dá um cheiro pra avó". Segurava e erguia os pezinhos unidos, cobrindo-lhe de beijos a genitália e as nádegas, na maior demonstração de amor e carinho, como se tivesse uma dádiva diante de si.

Ao flagrar a perplexidade estampada em meu rosto, fitou-me com severidade e, em tom de repreensão indagou: "Ora, ora, você num beija não é?". Constatando que eu ainda ostentava visível expressão de espanto, sentiu-se ofendida: “Mas faça-me o favor, era só o que me faltava...". Constrangida, apazigüei-a enquanto pensava com meus botões: "Não D. Maria, talvez pela herança vitoriana, desconheço esses hábitos e, ciente dos estudos freudianos sobre a latente sexualidade infantil: troco, limpo e reponho tudo o mais rápido possível”.

Intensidade e formas de contato físico com os pequenos são culturais. Desde nossos ancestrais, os odores proporcionados pelo olfato constituem uma das mais prazerosas formas de carinho. Irresistíveis, é comum, nos sentirmos impelidos a “cheirar” os recém-nascidos. Vivenciar o episódio que relatei, fez recordar um antigo costume de meus antepassados, a tal “pitada no cacho de côco”. Consiste em, flagrando algum menininho da família, nu, reunir as falanges dos dedos de uma das mãos (como quem pega uma pitada de sal) tocar o escroto e, levando a mão às narinas, fazer de conta que sentiu o cheirinho do “cacho de côco”. As crianças riam e saiam correndo para se vestir.

Esse hábito era abandonado, naturalmente, tão logo as próprias crianças se mostrassem arredias (algo sempre respeitado!) ou, como na antiga Grécia, quando nos imberbes começassem a surgir indícios do início do período pré-púbere.

Como bem observou Bataille, é inegável que existem variáveis de lugares, circunstâncias e pessoas reservadas e que essas variáveis são sempre definidas arbitrariamente. Os limites, sempre incertos, tênues mutáveis. Àquilo que seu vizinho tem como meramente erótico, é capaz de ser aviltantemente pornográfico para você. E até mesmo entre cônjuges pode surgir desconforto nesse ponto.

Exemplificando a nudez, Bataille diz que ela “não é em si mesma obscena; ela se tornou obscena um pouco por toda parte, mas de maneira desigual”. Um simples traje de banho, conforme o lugar pode ou não chocar. A indumentária pode ser considerada indecorosa, conferir poder, vulgaridade ou afronta, conforme horário e ambiente. Nem mesmo o uso das cores escapa a interditos: não se batiza uma criança toda vestida de preto. Esclarecendo a relevância do contexto, aponta o estudioso: “E a nudez mais íntima não é obscena no consultório de um médico”.

Para que não lesemos, de modo irreversível, um inocente (vítima ou acusado), ultrajando a Justiça, sejamos prudentes e atentos ao fato de que, justamente por estarmos em zona cinzenta, à atenção aos detalhes na averiguação da suspeita desses delitos deve ser redobrada, investigada da forma mais profunda, abrangente e cautelosa possível.

Indubitavelmente, esse território é perfeito para acobertar o Mal que, silenciosa e confortavelmente abrigado na confiança (que o seio da família pressupõe), está bem camuflado para, insuspeitavelmente, realizar sua “areté(excelência) que é eclipsar o Espírito. Mas como aponta Rachel Gazolla (Titular de Filosofia Antiga da PUC-SP), “o mal não tem excelência, porque não é virtude”.


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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

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As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

Busque sempre a excelência!

TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

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O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

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Você se sentiu ofendido...

irritado (em seu "phrenas", como diria Homero) ou chocado com alguma imagem desse Blog? Me escreva para que eu possa substituí-la. e-mail: mitologia@esdc.com.br