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1 de abr. de 2010

AMOR LÍQUIDO - Sobre a a fragilidade dos laços humanos

“É da natureza do Amor ser refém do destino”.
Lucano/Francis Bacon

É sobre a desesperadora dificuldade de se perpetuar os vínculos no mundo de hoje que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman se debruça na obra que dá título a esse artigo, e a respeito da qual tecemos breves considerações.

Eterno e em constante mudança, o amor é dos deuses mais antigos, a maior dýnamis (potência) do universo. Concilia a permanência de Parmênides (o Ser É) e a mudança de Heráclito (Tudo Flui), o que não surpreende se considerarmos que sua areté (excelência) é justamente essa: unir.

Desde ‘O Banquete - sobre o Amor’, de Platão (vide artigo nesse Blog), onde nada de relevante deixou de ser dito acerca do Amor, o que há de novo em nossa líquida sociedade moderna alterando essa potestade? É possível que ainda existam ligações indissolúveis e definitivas? Ou o veloz virtual mundo líquido em que vivemos dificulta o perene, nos obrigando a viver constantemente sob a égide da incerteza, numa absoluta fluidez e alternância de vínculos?

Quando as relações virtuais (conexões) estabelecem um padrão, um novo molde/paradigma de relacionamento se impõe. E em nosso cotidiano, o virtual tem se tornado cada vez mais real.

E o que é a realidade? Segundo a clássica descrição de Émile Durkheim (1858-1917): algo que fixa, que ‘institui fora de nós certas formas de agir e certos julgamentos que não dependem de cada vontade particular tomada isoladamente’; algo que ‘deve ser reconhecido pelo poder de coerção externa’ e pela ‘resistência oferecida a todo ato individual que tenda a transgredi-la’.

Quanto aos vínculos, atentemos para o fato de que o de parentesco goza de um status privilegiadamente singular: é de nascença, incondicional, irrevogável e indissolúvel. É pura e simplesmente, querendo ou não, uma coisa dada. Passíveis de serem mais estreitados ou nem tanto, vínculos de parentesco não são precedidos por escolha (escolher qualifica), daí serem bênçãos ou maldições, dádiva ou sina.

É precisamente a inabalável solidez que o parentesco pressupõe, que tanto almejamos quando, por desejo, nos unimos a alguém. Obviamente, ao exercermos a liberdade de escolher a quem nos vincularmos, priorizamos nossas afinidades – Wahlverwandschaft.

É no reduto das escolhas amorosas que, exercendo nosso livre arbítrio, ao sermos correspondidos, vislumbramos o valor do nosso ‘eu’. E de quanto mais virtudes, predicados, distinções e de atributos singulares a pessoa escolhida for dotada, mais glória tributamos a nós mesmos: “No brilho ofuscante da pessoa escolhida, minha própria incandescência encontra seu reflexo resplandecente”, diz Bauman.

No decorrer da vida, nossos valores mudam (aos 50 anos, estaremos atentos a virtudes inimagináveis aos 20, por exemplo). Estejamos cônscios a mais essa doce cilada de Eros. Convém não fazer do amado, objeto: “uma simples extensão, eco, ferramenta ou empregado trabalhando para mim (...).”

Parentescos, cultivados ou não, estarão sempre à mão, já a escolha deliberada “diferentemente da sina do parentesco, é uma via de mão dupla. Sempre se pode dar meia volta”. Exceto, talvez, pela adoção de um (a) filho (a), cujo cordão umbilical (mesmo quando inexistente), é duplamente alicerçado, nas demais, Bauman chama a atenção para o fato de que “A menos que a escolha seja reafirmada diariamente e novas ações continuem a ser empreendidas para confirmá-la, a afinidade vai definhando, murchando e se deteriorando até se desintegrar”.

O ‘regar todos os dias’ é algo que soa extremamente extenuante para nós, já avessos e desacostumados a sólidos e duráveis, hipnotizados pelo instantâneo, descartável e de menor esforço possível: “nem mesmo os casamentos, ao contrário da insistência sacerdotal, são feitos no céu, e o que foi unido por seres humanos estes podem – e têm permissão para – desunir” como nos alerta o sociólogo.

O cultivo de uma relação, amorosa ou de amizade – real ou virtual – pode se revelar árduo e enfadonho. Quer seja nos tempos d’outrora, ou nos dias de agora, é exigir demais a um casal apaixonado o cumprimento da promessa de que o amor dure e perdure até que a morte os separe.

O sapientíssimo tragediógrafo grego Sófocles (496 a.C. – 406 a.C.), em sua atemporal obra “Antígona” é certeiro: “O que é a vida do homem? Algo que não é orientado para o bem ou para o mal, nem moldado para louvar ou censurar. A oportunidade leva o homem às alturas, a oportunidade o arremessa para baixo e ninguém pode prever o que será a partir daquilo que se é”.

Mesmo que essa imprevisibilidade nos assombre, Bauman nos diz também que “ninguém pode suportar com leveza essa impossibilidade (...) é o futuro, assustadoramente desconhecido e impenetrável, e não a dignidade de um passado que, embora venerável, se oculta por trás do dilema (...)”. O fato é que talvez nunca tenha havido tantas oportunidades – leiam-se incertezas – quanto agora.

Se diante dum oráculo, pudéssemos indagar sobre o futuro de nossos amores, por qual das seguintes possibilidades de resposta optaríamos: A) Durará para sempre; B) Não durará ou C) Não há como saber?

Misteriosamente “barrando o acesso, negando o ingresso, inatingível e eternamente além do nosso alcance”, a última opção é a divina, aponta o estudioso. Assim é o amor.

Fascinante, Eros não desagrada a ninguém, imprevisibilidade é outro de seus desconcertantes e sedutores atributos. Sentimentos de insegurança fomentam desejos conflitantes que culminam na dilacerante alternância entre “apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos”.

Por mais que desejemos ser um só – somente o amor permite essa fusão, repetidas vezes – há a intransponível dualidade dos seres: “Tentativas de superar essa dualidade, de abrandar o obstinado e domar o turbulento, de tornar prognosticável o incognoscível e de acorrentar o nômade – tudo isso soa como um dobre de finados para o amor.”

Será que, quando se trata de amor, posse, poder, fusão e desencanto são mesmo, “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse” como aponta o estudioso? Zygmunt Bauman diz que Odo Marquad atentou para o fato que “do parentesco etimológico entre zwei e zweifel (“dois” e dúvida”, em alemão) e insinuou que o elo entre essas palavras vai além da simples aliteração. Onde há dois não há certeza”.

Reduzindo drasticamente as pressões, em nenhum outro ambiente os vínculos, os relacionamentos são tão agradáveis e descartáveis quanto no mundo virtual: “As relações virtuais se encaixam como uma luva na atual vida moderna. Diferente dos compromissos ‘reais’ e, mais aprisionantes ainda, dos compromissos de longo prazo, essas relações são indolores, são fáceis de entrar e sair, aparecem e desaparecem num clique: ‘Em comparação com a ‘coisa autêntica’, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear (...)”.

Simplesmente embaraçosos ou perturbadoramente constrangedores, muitas vezes é grande a dificuldade de romper vínculos/relações ‘inconvenientes’, mas romper uma ‘conexão indesejável’ não requer prática nem tampouco habilidade: “conexões podem ser rompidas, e o são, muito antes que se comece a detestá-las”, diz Bauman.

Existe algo mais simples que não responder a um email (que podemos não ter mesmo recebido ou ido parar na caixa de ‘spam’)? E o ‘Delete’ no teclado, além de tempo, não nos poupa também da enfadonha necessidade de promessas, desculpas e das inúmeras e incômodas máscaras?

Mas não se iludam! No mundo virtual, embora sejam inúmeros (e sempre crescentes) os “contatos”, ter acesso não significa (muito menos garante) relações prazerosas, vínculos estreitos e: “Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa cansativa”, aponta Bauman.

Obviamente há o risco de, não favorecendo êxito no aprofundamento (leia-se qualidade) das relações, buscarem-se compensações na velocidade com que eles surgem e desaparecem (entenda-se quantidade).

No virtual, substituição é a palavra de ordem: “quando se esquia sobre gelo fino, a salvação está na velocidade”. Nada mais confuso, instável e descartável.

Lúcido, Zygmunt Bauman diz que “Não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer (...) chegado o momento, o amor e a morte atacarão – mas não se tem a mínima idéia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido”.

Nada avessa ao mundo virtual, considero curioso que essa navegação favoreça e muito a idealização do amor, realizando o platônico. Vínculos reais e relações físicas, além de sujeitos a conceitos pré-concebidos (preconceitos) também nos acorrentam a tempo e espaço, enquanto afinidades por ‘idéias’ e ideais, além e acima de mundanidades, são mais livres e autênticas.

Pleno é reunir corpo e alma – Pandêmia e Urânia – as duas modalidades de Afrodite (*). Privilegiar a primeira é mais razoável para a felicidade (do tipo "feito no céu"). Talvez seja por isso que Nietzsche tenha recomendado que nos unamos com quem seja prazeroso... conversar!

Tão inescapável quanto à morte, reais ou virtuais, nunca houve nem haverá receita universal para desfrutar dessa dádiva que é o amor. Como a própria vida, não há garantia de prazo. Seu destino é enfeitiçadoramente inconcluso, exatamente como proferido pelo oráculo. O télos (propósito) desse daimon divino é gerar e parir a beleza - no corpo ou na alma – pode ser em ambos. E até eterno.

(*) Trecho de meu artigo O Banquete – sobre o Amor, Platão (disponível em meu Blog).

Mais realista, “não é um só”, objeta Pausânias que, cingindo a unidade do Amor, subdivide-o e (não os excluindo) hierarquiza-os imediatamente: Afrodite não é só uma, há a mais velha, Urânia (Celestial) e a Pandêmia (pan = todos e demos = povos). Nesta última, amam mais o corpo que a alma. Afrodite Pandêmia (a Popular, vulgar) inexoravelmente é vencida pelo tempo (Chronos): “Com efeito, ao mesmo tempo em que cessa o viço do corpo, que era o que ele amava “alça ele o seu vôo” (citando Homero), sem respeito a muitas palavras e promessas feitas. Ao contrário, o amante do caráter, que é bom, é constante por toda a vida, porque se fundiu com o que é constante”.

Pausânias revela duas formas de Amor: Afrodite Urânia, associada ao eterno, imortal e Afrodite Pandêmia ao transitório, mortal. Os dois amores são necessários, embora sucumbir dando ênfase à Pandêmia desvirtue a pólis.

E mesmo que esteja passível de cometer um engano, um erro de pessoa, quem ama verdadeiramente é digno de nobreza.

Discuta esse texto aqui mesmo em nosso Blog.

1 de mar. de 2010

Os Sete Pecados Capitais


The Seven Deadly Sins - Obra do holandês Hieronymus Bosch (1450-1516)

O que são esses "pecados", por que "capitais", qual é sua hierarquia, o nome de seus demônios e o mais relevante: como vencê-los?


Combater o mal – nossos erros, nossos vícios, a hýbris (desmedida) grega – é tarefa que não tem fim. É decisão moral que exige a constância digna de um Sísifo, que no mito, dia após dia, por toda eternidade, arduamente empurra uma grande pedra morro acima e, assim que atinge o cume, a maldita volta a rolar abaixo.

E se o tinhoso não se revela devidamente paramentado (nem mesmo na alta Idade Média confirmou-se a presença material, física, concreta, enfim, real do demônio), tal qual nos legou a fantástica imaginação de Dante Alighieri (1265-1321) em sua obra “A Divina Comédia”, lidamos com um símbolo do mal que, embora não possa ser apreendido em conceitos puros, deixa funestos rastros a perpassar toda realidade que nos circunda.

Uma vez que o mal não se apresenta à luz senão como ameaçadora sombra a obscurecer a psyche (alma) humana, arrebatando-nos às profundezas do desespero, perscrutemos suas maiores pegadas a fim de compreender seu modus operandi e refletir sobre qual o reto convívio. Quando tentados, precisamos lidar com o que tenta limitar nossa liberdade, se apossando de nossa vontade.

O filósofo medieval Tomás de Aquino (Aquino é o nome do castelo onde nasceu, no reino de Nápoles) viveu entre 1224/5 a 1274 d.C. Observador atento e sagaz, retomou os estudos de alguns mestres (Atanásio, Antão, Cassiano e Gregório Magno – que em 590 d.C. reexamina a lista de 375 a.C., legada pelo célebre monge Evágrio Pôntico), antigos sábios que antes dele também se aventuraram a fazer – como nos diz o especialista Jean Lauand – uma “tomografia da alma humana” a fim de descrever a ação fenomenológica dos “maus daimons” em nós.

Esses antigos estudos sobre os maus demônios (demonologia) não se limitaram a aspectos dogmático-religiosos; são construções éticas que tiveram impacto na história, na sociedade e na psicologia. Acalentam um propósito bem claro: “para conhecer o mal é necessário voltar-se para os modos concretos em que ele ocorre”, afirmou o empirista Tomás, citando o sábio (pseudo-) Dionísio.

Assim, voltando-se para a realidade mundana, para o dia a dia das pessoas, ele compilou os principais maus hábitos que exercem uma influência espiritual invisível e, se desatentamente permitidos e inadvertidamente cultivados, culminarão naqueles que até hoje conhecemos como sendo os principais erros, os vícios de caput: Os Sete Pecados Capitais.

O vício, alerta Lauand “compromete muitos aspectos da conduta; é uma restrição à autêntica liberdade e um condicionamento para agir mal”. De outro modo, o psicanalista C. G. Jung diz: “Na raiz de um complexo encontra-se um conteúdo com ênfase no sentimento, e cuja menção desperta em nós emoções violentas, mas que nós reprimimos da nossa consciência. Um complexo leva-nos a ‘um estado de falta de liberdade, a pensarmos e a agirmos compulsivamente’”. É quando essas inconscientes partes da psyche sob tensão alcançam o domínio do eu (ego), que, não somente temos o demônio, mas mais ainda: é o demônio quem nos tem.

O que são esses “pecados”, por que “capitais”, qual é sua hierarquia, o nome de seus demônios e o mais relevante: qual é o antídoto (virtude) para vencê-los?

A esses sete grandes modos de desassossego, o medievo denominou “vícios” ou “pecados”; o grego antigo apontaria como sendo “erro” (hýbris, a desmedida), hoje compreendemos tratar-se de condutas que comprometem o bem-estar físico e psíquico, tanto nosso quanto daqueles que nos cercam.

De acordo com a tríplice divisão da alma em Platão (vide artigo já postado nesse blog), os estudiosos estratificaram as principais paixões às quais o ser humano sucumbe:

a) o epitimético diz respeito aos instintos mais primitivos, as necessidades mais básicas, daí suas fraquezas serem a gula, a luxúria e a avareza (ganância);

b) a parte ligada ao thymós, ao coração é emocional, desencadeia estados negativos de ânimo e são ainda mais difíceis de serem superados: a preguiça (acídia) e a ira e,

c) o nôus refere-se ao espírito e corresponde aos vícios da inveja e da vaidade (soberba).

Demoníacos vícios que lideram – máximo-capitais – porque encabeçam e desencadeiam muitos outros formando um verdadeiro exército atrás de si (geram cerca de cinqüenta filhas). Entre esses sete “poderosos chefões” também identificaram um capo de tutti i capi e, curiosamente um agente duplo infiltrado: a Ira!

IRA



A Ira é vício mortal. Cega o homem (o furioso não pode ver a luz), é o mais violento e, apesar de ser o que mais permite entrever uma imagem de sua essência (Amon, é o demônio deixa o irado desfigurado), paradoxalmente, também se apresenta pela virtude. Segundo o Antigo Testamento, o próprio Deus, erguendo-se pela Justiça, irou-se, ao menos três vezes, vide Adão e Eva, o Dilúvio e Sodoma e Gomorra.

A Ira também acomete àqueles que indomitamente se recusam à tibieza e zelam pela Justiça: “É necessário o máximo cuidado para que a ira, que deve ser instrumento da virtude, não domine a mente, mas que, como serva pronta a obedecer, não deixe de seguir a razão, pois quanto mais sujeita à razão, tanto mais veementemente se ergue contra os vícios”, como diz Gregório. Aplacar a ira requer paciência.

GULA


Morada da alma: “Orandum est ut sit mens sana in corpore sano” (Reze para que a mente seja sã dentro de um corpo são), como rogou o poeta satírico romano, Giovenale, o corpo requer boa alimentação, higiene e exercícios físicos regulares.

Todo vício é um excesso e o de comida embota a mente, pois o estômago, quando não é reprimido enfraquece a alma, tornando-nos menos humanos e mais animais. Belzebu é um demônio que inverte assentadas hierarquias: ao invés de comer para viver, vive-se para comer.

As filhas do pecado da Gula são: imundice, embotamento da inteligência, alegria néscia, loquacidade desvairada, expansividade debochada: “vício capital é aquele do qual – a título de causa final – se originam outros vícios, enquanto o objeto do vício capital é desejável intensa e imediatamente” ensina Jean Lauand, ao apontar que uma das condições de felicidade é o prazer e nada nos dá mais prazer que comer e beber. Aplacar a gula requer temperança.

ACÍDIA/PREGUIÇA

 
Quanto à Preguiça, esqueçam o estereótipo do desocupado prostrado numa rede. Ao nos debruçarmos sobre a Acídia medieval (a acídia ocupava o lugar de nossa Preguiça) compreendemos que a “rede” na qual o demônio Belfegor nos enlaça, é outra.

Na Acídia/Preguiça, o espírito inquieto e perdido se derrama no vasto e variado, o que torna a pessoa apática, letárgica, totalmente sem foco. E justamente por desenraizar o espírito essa preguiça entedia e impede o indivíduo de descansar, de relaxar genuinamente – como um fracassado náufrago que navega à deriva – passam-se as horas, os dias, os anos e, sem nada que o entusiasme a aportar, sobrevém a depressão.

Em sua obra “Sobre o Ensino (De Magistro) – Os Sete Pecados Capitais” (Ed. Martins Fontes), o professor Jean Lauand acrescenta uma análise do Filósofo alemão Joseph Pieper no texto “Concupiscência dos olhos” que elucida muito a inquietação promovida pela acídia/preguiça, cuja primogênita é a tristeza, e a segunda é o desespero.

Ao discorrer sobre a Acídia e curiositas Pieper diz: “Há um desejo de ver que perverte o sentido original da visão e leva o próprio homem à desordem. O fim do sentido da vista é a percepção da realidade. A ‘concupiscência dos olhos’, porém, não quer perceber a realidade, mas ver. (...) A preocupação deste ver não é a de apreender e, fazendo-o, penetrar na verdade, mas a de se abandonar ao mundo, como diz Heidegger em seu Ser e Tempo. Tomás liga a curiositas à evagatio mentis, ‘dissipação do espírito’ (...)”. Isso nos lembra a “nova rede” à qual nos abandonamos, muitas vezes sem rumo, propósito ou moderação: internet!

Jean Lauand aponta que a acídia/preguiça seqüestra o homem de si mesmo e lhe subtrai “aquele bem que só a magnânima serenidade de um coração preparado para o sacrifício, portanto senhor de si, pode alcançar: a plenitude da existência, uma vida inteiramente vivida. E porque não há realmente vida na fonte profunda de sua essência, vai mendigando, como outra vez nos diz Heidegger, na ‘curiosidade que nada deixa inexplorado’, a garantia de uma fictícia ‘vida intensamente vivida’. Aplacar a acídia/preguiça requer diligência.

LUXÚRIA


A Luxúria é o mais sedutor dos vícios, pois seus prazeres são os oriundos do sexo, mas quando em desmedida e intensamente despudorado. A Luxúria é mais problemática quando a capacidade de controlar os instintos é ameaçada pela lembrança de indeléveis experiências ocorridas durante a infância: “Por isso, integrar os instintos é ao mesmo tempo construir também o inconsciente pessoal, o domínio da própria vida”, afirma o teólogo Anselm Grün, em sua obra “Convivendo com o mal – A luta contra os demônios no monaquismo antigo”.

O demônio da Luxúria (Asmodeus) ama a pornografia e nos força a desejar outros corpos: “Ele ataca cruelmente (...) enlameia a alma e a seduz a ações vergonhosas (...). O demônio da luxúria trabalha, sobretudo através da fantasia, que ele enche de imagens e de pensamentos impuros, desta maneira obscurecendo a razão”.

Como Freud já apontou, alguma renúncia ao instinto é necessária à civilização. É típico que esse vício atue de modo repentino, preferencialmente, à noite, libertando e incendiando os instintos até a mais completa animalidade.

Se os arroubos compulsivos de Asmodeus forem mesmo incontroláveis, que os adultos busquem tratamento especializado ou, no mínimo, pessoas e locais apropriados, pois nossos pequenos inocentes são curiosos, bisbilhoteiros e “um segredo pode influenciar o destino das crianças sobre as quais ele pesa”, alerta o psicanalista francês Phillipe Grimbert, autor de “Um segredo em família”. Aplacar a luxúria requer castidade.

AVAREZA/GANÂNCIA


O que move o mundo é a ação. Obviamente, uma vez que a grande maioria das ações empreendidas por nós, em nossa sociedade, visa à obtenção e acúmulo de capital, têm-se a impressão de que o dinheiro é o que move o mundo. Instrumento de coação, controle e de grandes injustiças, não são poucos os malefícios do apego exagerado à matéria.

A Avareza (ganância) também tem sua compreensão deveras limitada pelo estereótipo do velhinho que amealha e esconde seu rico dinheirinho embaixo do colchão. O vício da avareza abarca e encampa os sonegadores, os agiotas, os especuladores, os corruptos, os traidores, os assassinos e os ladrões.

Temeroso, pois em suas alucinações sempre fantasia falência e miséria, escravo de suas posses – o avarento sequer as desfruta – não as possui, é possuído por elas. Não que o dinheiro em si seja sujo ou ruim, mas o amor excessivo ao dinheiro é raiz de muito mal. A ganância é freqüentemente associada a uma mulher que, dizem apela para a dissimulação: aparentando virtude, oculta seu arrivismo, fingindo apenas estar preocupada com o bem-estar, a educação, enfim, o futuro dos filhos.

Os que lidam com Direito Civil certamente estão familiarizados com toda essa mal camuflada modéstia. Vale esclarecer que a ardilosidade não é exclusividade feminina – os homens também se valem desse expediente (além da convincente preocupação com a velhice) como pretexto para justificar submissão à prata. Chegada à idade avançada, tendo propositalmente optado por uma vida franciscana, checar o patrimônio amealhado pelo avaro revela a farsa.

Dante retratará a condição dos gananciosos, avarentos, acumuladores e os esbanjadores. No Purgatório, à espera do perdão, lá permanecem de bruços, com o rosto colado à terra e, sem poder voltar os olhos para o céu, repetem incessantemente o Salmo 119: “Minha Alma está apegada ao pó”.

Em aramaico, o nome do demônio da ganância é Mammon, mas em 1776 o filósofo escocês Adam Smith, ao publicar “A Riqueza das Nações”, obra basilar da Economia Moderna, revolucionou o modo como as pessoas passaram a ver o dinheiro e, conseqüentemente, a ganância. Essa obra é a primeira a enumerar os ‘Princípios da Economia’ e os casos em que o capitalismo, o desejo de possuir cada vez mais podem ser ‘bons’, concebendo um mundo onde a economia seria guiada por uma ‘mão invisível’.

A “Mão invisível” é o que impulsiona a pujança do comércio e das transações: “Nós trocamos algo que valorizamos menos para obter coisas que valorizamos mais”. Como um invencível ‘Leviatã’, na “Mão invisível”, milhões de pessoas ‘funcionam’ de forma egoísta, constantemente desejando coisas que querem através do mercado.

É o renomado economista brasileiro Alexandre Schwartsman quem nos esclarece melhor: "O ponto central de Smith n'A Riqueza das Nações é precisamente que 'não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que ele tem pelos seus próprios interesses', ou seja, que a busca do autointeresse é que provê a sociedade dos bens que ela precisa. É como se houvesse uma "mão invisível" (economistas também podem ser poetas) que guiasse cada um de forma que, na busca do autointeresse, produziríamos o melhor resultado social". Por isso, para a "Lei da Casa" (OIKÓS/NÓMOS = Economia), certa ganância é inerente e propícia ao desenvolvimento, devendo até ser cultivada em nome do bem-estar social. A fim de revelar alguns desses autointeresses, prossigamos nos vícios principais.

A questão não é ser ou não ambicioso, mas quão ambicioso se pode e deve ser. A perversão se dá quando posses e status definem quem você é – espantosamente até para si mesmo! A ganância escraviza a alma, arruína um país, destrói a pólis. O brilhante economista John M. Keynes (1883-1946), em sua obra “Possibilidades econômicas para nossos netos” (1930), alerta que “O amor ao dinheiro como uma possessão – distinto do amor ao dinheiro como um meio para atingir os prazeres e as necessidades da vida – será reconhecido pelo que ele é: uma morbidez um tanto repugnante, uma dessas propensões semicriminosas, semipatológicas que se encaminham com horror aos especialistas em doença mental”.

E Schwartsman, ao citar Adam Smith em "A Teoria dos Sentimentos Morais" nos reconforta, pois o escocês atesta que "Independente de quão egoísta possa ser o homem, há evidentemente um princípio natural que o faz interessar-se pela sorte dos outros e considerar sua felicidade necessária para si, mesmo que nada obtenha dela além do prazer de vê-la". Não é de surpreender que placar a avareza requeira caridade.

INVEJA



A desprezível deusa romana da Inveja (invidia), por onde passa seca flores e plantações, envenenando tudo o que é bom. Inconfessável, a inveja é um vício constrangedor: atormentadora, começa por invadir todos os pensamentos e, na seqüência, domina as atitudes da pessoa. Foi o primeiro pecado cometido pelo demônio e também o que motivou o primeiro assassinato.

Até mesmo na literatura infantil, a inveja é o centro das tramas: branca de neve tem sua morte encomendada porque é bela. E Cinderela é invejada desde antes do grande baile, pois é boa e feliz, mesmo no borralho. No Purgatório de Dante, os invejosos são condenados a vagar tendo os olhos costurados com arame. Isso porque a inveja é um pecado cometido pelos olhos. Em nossa língua, não encontramos uma palavra para definir o que seja sentir alegria no sofrimento ou má sorte do outro, mas em alemão há: “schadenfreude”. Já vivenciar a alegria do outro como se fosse minha (o antônimo da inveja), nos ensina Jean Lauand, em grego antigo, é “synkhairía”.

Na Hélade, precisamente em Atenas, periodicamente os cidadãos eram chamados a, secretamente, escrever o nome de uma pessoa que gostariam que fosse expulsa da cidade num caco de cerâmica chamado “ostrakon”. Se determinado indivíduo tivesse seu nome registrado muitas vezes, ele era simplesmente expulso da cidade. O período de ostracismo durava cerca de dez anos. Para quem se recusasse a pena era a morte.

Certa vez, um nobilíssimo e muito distinto cidadão ao flagrar seu nome sendo escrito indagou: “O que ele fez para que escrevas seu nome”? – o outro cidadão respondeu: “Nada. É que não suporto mais ouvir falarem tão bem dele”.

O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em seu “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens” a aponta como inerente – até mesmo seu famoso “bom selvagem” invejaria àquele que, dançando melhor, atraísse mais olhares de admiração. Para que estejamos na mira da inveja não é necessário que sejamos belos, afortunados ou brilhantes – a felicidade – talvez mais até que outros atributos chama mesmo a atenção. E, ponderando sobre o que diz Aristóteles: "ceramista inveja ceramista", geralmente, os subalternos revelam-se amigos sinceros e confiáveis.

No judaísmo, a inveja não é assim um erro tão fatal: a dos eruditos aumenta a sabedoria e alguns estudos mais recentes a tem apontado como sendo mola propulsora do avanço da humanidade. Inveja: “sem ela não haveria progresso; com ela parece não haver paz”.

O “mau-olhado” é o olhar de ódio. Um espelho a aguardar o invejoso remete o olhar negativo de volta. Trazer como amuleto o ‘olho grego’, o petrificante olhar das Gárgulas ou da Medusa, cumpre essa mesma finalidade: proteger-nos dos invejosos.

Uma das filhas mais famosas da inveja é a fofoca (sussurratio). Ela calunia, difama, fomenta intrigas, promove discórdia e desarmonia. Tem um poder de devastação tão grande que consegue fazer romper de modo irreversível, delicados e belos laços afetivos até mesmo entre consangüíneos. Mais uma vez, eis o demônio, plenamente satisfeito e realizado. Aplacar a inveja requer generosidade.

Curiosamente, não são poucas as pessoas que buscam ser alvo de inveja. Daí, adentramos ao mais terrível dos pecados capitais...

VAIDADE/SOBERBA



Quase inexistentes na Idade Média, na atual Idade Mídia, os veículos de comunicação, cônscios do poder em alimentar essa necessidade mundana de – ser mais e melhor, – incutem na mente das pessoas um desejo desesperado por “aparecer” e permanecer em evidência. Diferente da inveja, que envergonhadamente se oculta, a Vaidade (soberba) tem furor pelos holofotes. Não por acaso, seu demônio é Lúcifer – que quando bom daimon, antes da queda, era o portador de LUZ.

É necessário esclarecer, porém, que bem próxima à vaidade (quase se confundindo com ela), há ainda um erro que Tomás apontou como sendo um pecado “supracapital”. É o empenho feroz que, destituído de virtude (literalmente desvirtuado) busca alcançar a excelência, ser “o melhor” naquilo que se propõe.

A Soberba é um erro tão descomunal que atua como uma espécie de guarda-chuva, abarcando sob si todos os demais pecados capitais. A soberba é bem parecida, mas muito, muito superior à mundana e prosaica vaidade (inanis gloria – vangloria), tanto que hoje, nos diz Jean, a Igreja prefere colocá-la no lugar da vaidade,

Orgulho tolo, a vaidade é confronto da criatura efêmera com seu semelhante. É a prosaica aflição pequeno-burguesa do bípede implume que, alardeando seus dons “extraordinários”, ostenta sucessos e brada conquistas. É o desejo ingenuamente mundano de divulgar ao máximo, premeditados (mas indubitavelmente sinceros) sorrisos junto à torre Eiffel (Aspen ou Veneza também servem – e, atire o primeiro tridente quem nunca se flagrou vaidoso), de pavonear o decorador contratado ou a exibição da retesada fisionomia nas publicações de massa que povoam os redutos de Afrodite (salões de beleza). Na contemporânea Idade Mídia, Lúcifer tornou-se patético e, notoriamente, quanto mais provincianamente deslumbrado, mais divertido.

Já a soberba é quando o ser humano confronta-se e disputa a primazia com o próprio Criador, o ‘movente imóvel’ aristotélico, o que está além e acima orquestrando o cosmos (a ordem); seja qual for o nome que lhe dermos, o fato é que esse mega (palavra grega que significa grande) demônio não reconhece autoridade além de si. Superior a todos, eis o capo de tutti i capi: Satã.

Na vaidade, quero ser melhor, mais amado, mais bonito, inteligente, rico ou bem-sucedido que o vizinho, o colega e até mesmo (desde o berço) meu irmão; na soberba a distorção do espírito é tão medonha que não me contento em brilhar entre os pares – para além do bem e do mal – vanitas descomunal, a rivalidade é suprema: julgo-me no direito e exijo ocupar o topós (lugar) do Demiurgo. Satanás quer ser Deus. Como não poderia deixar de convir, aplacar a soberba requer humildade.

Conclusão:

Vencer o mal não consiste em, como no ascetismo (celibato, por exemplo), tolher a “vontade” ou não se permitir ser acometido por “desejos” – impedir isso não seria nada razoável (vide infindáveis escândalos de pedofilia envolvendo padres da Igreja católica): vontades, desejos e paixões, além de tornar-nos humanos são necessários à felicidade, à evolução e à perpetuação da espécie – mas é sim, priorizando a razão ACIMA dos desejos, que somos livres para decidir com lucidez quando convém ou não (além de como e o quanto) satisfazê-los.

Platão afirma que toda ética é estética e política – ser Bom, Belo e Justo – é decidir livremente com a razão. Valer-se da liberdade para ser razoável remete-nos ao famoso “imperativo categórico kantiano”, sem dúvida. Mas buscar liberdade para agir com os instintos seria, convenhamos, um tremendo contra senso.

Sim, os “maus daimons” nos tentam o tempo todo, mas é a nós, somente a nós que cabe decidir e escolher "o" agir: de livres ou escravos – homens ou animais.

E é considerando (con siderio = pôr junto às estrelas) o “Outro”, nosso semelhante (em Filosofia denominamos “Alter”), que somos éticos, virtuosos.

Como sempre, tudo é questão de bom-senso, justa medida, equilíbrio, moderação, a famosa “Sophrosyne” grega no frontispício do Oráculo do deus da harmonia e da saúde, Apolo, na cidade de Delfos: “Nada em Excesso”.

Sobre a obra de Hieronymus Bosch - Os Sete pecados capitais


(obra de 1480 – Museo del Prado, Madrid)


Não se sabe ao certo qual a origem desta obra. Talvez provenha da encomenda de uma ordem monástica da época. Sabe-se apenas que posteriormente passou a compor a coleção rei espanhol Felipe II, juntamente com outras obras do artista.


Bosch escolhia para seus temas moralistas personagens de lendas, provérbios e superstições populares, dando-lhes um aspecto alegórico na representação – como também vemos em “A Morte do Avarento”. Com isso ele criou uma iconografia fantástica própria, que lhe permitiu abordar desde os pecados humanos até sua terrível conseqüência, o inferno. Bosch demonstrou sua preocupação com o homem, mostrou de forma contundente e sem rodeios sua percepção apocalíptica da condição humana.


Na obra Sete Pecados Capitais, Jesus Cristo se encontra no centro do painel, cercado por um largo anel dourado no qual está inscrito em latim: "Cuidado, cuidado, Deus vê". A esfera central tem a aparência de um olho humano, e Cristo estaria dentro da pupila. A imagem remete ao significado do olho de Deus, que tudo vê. No restante, temos a representação de cada um dos sete pecados capitais (avareza, soberba, gula, ira, inveja, preguiça e luxúria) em cenas que poderiam ser vistas no cotidiano de sua região. Nos quatro cantos do painel encontramos círculos, dentro dos quais estão representados: a morte, o juízo final, o inferno e a glória.


Por optar por representar o tema a partir de situações cotidianas, cumprindo o objetivo educativo e moralista, esta obra prenuncia um gênero artístico surgido tempos depois e amplamente desenvolvido ali, nos Países Baixos: Pintura de Gênero


Fonte: http://www.casthalia.com.br/

1 de fev. de 2010

A Família - Parte II (Os idosos)


"Os infelizes são ingratos; isso faz parte da infelicidade deles."

Victor Hugo

Ao dar continuidade ao artigo anterior (Família – Parte I) intento chamar a atenção para um drama cada vez mais comum que não é normal: desamor, culpa, abandono, exploração e solidão na esfera doméstica.

Com raríssimas exceções, abordar questões familiares é remexer em “caixas pretas” que, independente do porte, por medo todos preferem manter devidamente enterradas, bem longe dos próprios olhos e, sobretudo dos alheios.

Num passado não muito distante (cerca de 2.500 anos), os tragediógrafos gregos revelaram, com irrepetível maestria, muitas das potências (dýnamis) que subjazem aos atemporais dramas familiares. Há pouco mais de um século, cabe aos profissionais das áreas psíquicas (psicólogos, psicanalistas, psicoterapeutas, psiquiatras e afins) a tarefa de adentrar a esses secretos labirintos.

Nesse sentido, eles se assemelham ao deus grego Hermes (Mercúrio na mitologia romana) que, regendo a velocidade, a mente e a fala, é o deus da comunicação.

Vale informar que Hermes, muito mais que “assistente” do soberano do Olimpo, Zeus, muitas vezes inadvertidamente tido como mero “moleque de recados”, é a única divindade a ter livre acesso às profundezas da psique (alma) e ao misterioso e temido reino do Hades (mundo dos mortos).

Não se perscruta caixas pretas impunemente! Como Hermes, muitos advogados, promotores, jornalistas, investigadores, médicos e psicanalistas, por exemplo, chegam com as novidades – honrosa e maldita função, pois, “ossos do ofício”, as notícias nem sempre são boas e, se a verdade dói, a cabeça do mensageiro é a primeiríssima a rolar. Grande injustiça!

Parafraseando o notável escritor Guimarães Rosa – Falar é perigoso. Foi por flagrar e revelar o que não devia que Tirésias ficou cego (veja abaixo, nesse Blog) e, nesse sentido, tivemos também a pobre Cassandra a quem, agraciada com o dom da profecia pelo deus Apolo, ninguém dava crédito. Foi incansavelmente e em vão que tentou impedir que os troianos aceitassem o famoso presente dos gregos.

Mais recentemente (em termos históricos), Freud escandalizou a sociedade vienense ao, entre outras descobertas, apontar a latente sexualidade infantil e, até hoje, a fim de evitar desconforto, convém se abster de xeretar os “esqueletos nos armários”. Mas nem sempre o que está quieto permanece quieto e infelizmente (ou felizmente) a irrupção do nefasto torna a investigação obrigatória e o conteúdo das caixas pretas vem à luz.

As tragédias gregas, shakespearianas e as grandes obras literárias como “Os irmãos Karamazov” de Dostoievski, nos revelam muito do “dark side” dessas constelações: hediondos crimes de matricídio, parricídio e infanticídio, por exemplo, reais ou simbólicos são (não matem o mensageiro!) atualíssimos e (também não se iludam com tantos sorrisos nos porta-retratos) se fazem presentes em insuspeitáveis lares “felizes”.

Por um lado, não são raros os casos em que as crianças veem ao mundo com o prévio fardo de alicerçar uniões já fracassadas ou de satisfazer o desejo de vaidade de seus progenitores. Há ainda as concepções por acaso e as absolutamente indesejadas (incesto, estupro, etc.).

Noutra ponta, também não são poucos os idosos vitimados por seus próprios filhos (vide o filme “A casa de Alice”, do diretor Chico Teixeira). Usurpados em suas parcas economias, contraem empréstimos consignados que nunca são pagos, cedem moradia, realizam diariamente extenuantes afazeres domésticos e até tomam para si a árdua tarefa de criar os netos dedicando-se integralmente ao bem estar dos filhos, filhas, genros e noras.

Mesmo quando a situação econômica apresenta-se confortável, outro silencioso e velado matricídio/parricídio é perpetrado em doses “hipócrito-homeopáticas”: ameaçados pelo abandono à espreita, vulneráveis, acalentam datas, anseiam pelo telefonema, um e-mail, algum convite. Esperançosos, fitam a porta, aflitos pela condescendente visita dominical.

Idosos têm sido explorados e/ou desprezados pela prole. Erro, pecado ou vício, condenados sem direito a julgamento, imputa-se-lhes uma pena que não prescreve.

Se, otimistas, imaginarmos a expectativa de vida média do ser humano em 90 anos, por exemplo, observaremos que, aurora da vida, a infância é período muito breve, mas de inocente frescor e vivacidade singular. Ah, a infância... caixinha dourada que aconchega selecionadíssimas pedrinhas preciosas; por todo o resto de nossas vidas regressaremos a ela. Mnemósyne, a memória, é seletivamente benfazeja, mesmo nos inícios de vida mais difíceis.

Passada a infância e a juventude (esta última com tudo o que lhe é perdoável, pois como dizem “a adolescência é uma doença que o próprio tempo se encarrega de curar”), as décadas de plenitude da vida, o grande “miolo” da vida (30/40/50/60 anos) também decorrem num estalo. Mas geres, a velhice maldita, maior surpresa que quem viver testemunhará, dura “para sempre”, até o fim.

Afora a que herdamos, será no mencionado “miolo da vida” que fomentaremos caixinhas a legar. Faremos nossas opções, tomaremos decisões, escolheremos os tons que pincelarão nossa velhice.

Nem na aurora (crianças são verdadeiramente inocentes e jovens são inexperientes), tampouco no crepúsculo quando, perseguidos pela culpa, sentimos a alma aprisionada e tudo o que mais buscamos é perdão e redenção.

Amor, carinho e afeto não são incondicionais: não é porque gerou que é Mãe, nem somente porque semeou que é Pai. Sabemos que, levianos, irresponsáveis e “gente ruim” também envelhecem. E nascem!

Quando é nosso o momento de agir, narciso reina, sentimo-nos ilimitados, desejamos “poder” tudo. Poder? E o que “não pode” hoje, no mundo? Convém indagar é se deve.

Diz a piada que “fazer análise após os cinqüenta anos é como querer mudar a rota de um avião que já pousou”. Discordo. Só pousamos, quando o caixão baixa ao túmulo. E fica a “caixa preta”... Nunca é tarde para buscar ajuda profissional a fim de lidar com a angústia de caixas pretas herdadas ou confeccionadas e perseguir tons mais gloriosos (menos culpados) para colorir nosso crepúsculo.

Em gratidão pela benção de todas as manhãs, poder dizer: "Bom Dia, mamãe!" e "Oi, papito!". Eu, meu Amor e os netinhos, amamos muito vocês.
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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

Curso de Mitologia Grega
As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

Busque sempre a excelência!

TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

Você se sentiu ofendido...

irritado (em seu "phrenas", como diria Homero) ou chocado com alguma imagem desse Blog? Me escreva para que eu possa substituí-la. e-mail: mitologia@esdc.com.br