"Ordem é clareza. Ordem é harmonia. Ordem é método e celeridade. Ordem é razão e direito." Rui Barbosa
Prosseguindo com a obra “Econômico”, de Xenofonte (vide artigo anterior, já publicado nesse Blog), Sócrates nos ensinará sobre a importância da ordem, que é o que permite poder se encontrar tudo o que se precisa, em perfeito estado e bem acomodado, dentro do Lar.
Dessa vez, ele dialoga com Iscômaco – um rico proprietário –, considerado por todos os seus concidadãos um homem belo e bom.
Sobre a tarefa de bem administrar o patrimônio, Sócrates indaga por que algumas pessoas constroem casas inúteis enquanto que outros, com muito menos dinheiro, dispõem de tudo quanto é necessário, enfim, por qual razão, “Uns, possuindo bens móveis e numerosos e variados, não podendo usá-los quando precisam, nem sabendo se os têm em bom estado, ficam por isso muito aflitos e afligem muitos seus servos; outros, nada possuindo a mais, até muito menos que esses, têm logo à mão o que precisam usar.”?
Conclui que isso se deve ao fato de que, para os que costumam agir ao léu, cada coisa está onde caiu por acaso e, para os zelosos e sérios, tudo está convenientemente disposto em seu devido lugar.
Fundamental é saber tratar bem a mulher – guardiã do Lar – de modo que ela seja colaboradora no crescimento do patrimônio doméstico e não de forma que o arruíne. Se isso ocorrer, mesmo tendo sido bem orientada, a culpa é dela; Mas se o marido não se dispôs a instruí-la no que é belo e bom, tratando-a como ignorante, ele seria o responsável.
Sócrates pergunta a Iscômaco como ele educou sua mulher para que fosse capaz de cuidar tão bem das tarefas que lhe cabem, já que a desposou tão jovem e, aparentemente, despreparada.
Ele disse que antes de tudo, junto com a mulher, fez preces e ofereceu sacrifícios aos deuses, rogando que, ele ensinando, e ela, aprendendo, conseguissem o melhor para ambos, o que, sem as bênçãos dos deuses, é luta vã.
Iscômaco disse que esperou pelo momento apropriado para conversar com a esposa, declarando que tudo o que possuíam – uma casa – era comum e que não deviam ficar calculando qual dos dois havia contribuído mais em quantidade e que, ao contrário, era preciso que soubessem que aquele que for o melhor parceiro é que estará contribuindo com o que há de mais valoroso.
Quanto aos filhos, diz que os deuses os formam a partir do casal, para que não pereça a raça dos seres vivos, para que tenham os melhores aliados, proteção e amparo na velhice e que, quando os conceberem, deliberarão sobre qual será a melhor educação para eles.
Após discorrer sobre a distinção sobre a natureza física e psíquica do homem e da mulher, Sócrates afirma que ambos devem dar e receber, pois os dois receberam em partes iguais memória e zelo: “E, pelo fato de que, por natureza, ambos não são igualmente bem dotados para tudo, precisam muito um do outro e a união é mais útil ao casal quando um é capaz daquilo em que o outro é deficiente”.
Ansiosa por saber quais trabalhos deve realizar, a mulher de Iscômaco é orientada a zelar pela casa, não deixando que as servas fiquem ociosas, para que saiba distribuir bem as tarefas, que cuide bem da prole, que esteja à frente da preparação dos alimentos – que dos grãos resulte boa comida – e administrar tudo o que entra e sai do lar: “deveras receber o que foi trazido de fora, separar o que for preciso gastar e, quanto às sobras, deverás pensar o que fazer com elas, cuidando que o gasto previsto para um ano não seja feito em um mês”.
Entre o casal, a cumplicidade é sublime, e a mulher diz: “Seria um pouco ridículo eu vigiar e distribuir o que está dentro de casa, se tu não tivesses o cuidado de fazer entrar o que foi colhido fora...”, ao que o marido responde: “Ridículo, em compensação, pareceria trazer algo para dentro, se não houvesse quem conservasse o que foi trazido. Não vês, que são dignos de lástima aqueles que, como se diz, ‘tentam encher de água o jarro furado porque parecem labutar em vão? ’”.
Iscômaco pede à mulher que cuide dos serviçais que estejam doentes e que ocupar-se de acolher alguém ignorante no governo da casa e do serviço, tornando-a perita, pois, digna de confiança e merecedora de todo apreço, é gratificante.
E essa pessoa valerá muito: “(...) confies em que, ao ficares mais velha, na medida em que te tornares melhor companheira para mim e melhor guardiã da casa para os filhos, mais honrada serás em nossa casa”.
Sócrates ouviu de Iscômaco que ele e a mulher fizeram governanta aquela que os pareceu mais moderada no comer e no beber vinho, no sono e nas relações com os homens e, além disso, previdente para cuidar que nada de mau acontecesse em sua casa, capaz também de ver que, agradando-os, receberia recompensa: “nela inculcamos a virtude da justiça, dando maior apreço aos mais justos que aos injustos e mostrando-lhe que a vida dos justos tem maior riqueza e liberdade que a dos injustos.” Compartilhando nossas alegrias e tristezas, ensinamos o valor da lealdade.
Alertou também à mulher que de nada adiantariam essas providências se ela própria não cuidasse que a disposição de cada coisa fosse mantida: “aos cidadãos não basta que tenham boas leis. Ao contrário, elegem guardiães da lei que, mantendo a vigilância, elogiam os que cumprem as leis, mas punem, se alguém age contra as leis.”. E então, aconselhou-a a ser a guardiã das leis da casa.
Sobre a importância da ordem no Lar, Iscômaco disse a Sócrates que ao visitar um cargueiro fenício viu um arranjo de equipamentos que lhe pareceu excelente e muito cuidadoso, já que tinha diante de si um grande número de objetos distribuídos num espaço mínimo: “Notei que as coisas estavam colocadas de forma que uma não impedia o acesso a outra, nem havia necessidade de um encarregado de procurá-las, nem estavam desarrumadas, nem esparramadas de forma que causassem perda de tempo quando era preciso usá-las”.
O timoneiro (ajudante do piloto) estava sempre atento se, na eventualidade de algo acontecer, havia algo faltando ou se encontrava mal arrumado no navio: “Quando o deus torna tempestuoso o mar, não é possível nem ficar procurando aquilo de que se precisa, nem fornecê-lo a um outro, se está mal arrumado. O deus ameaça e pune os preguiçosos e se ele só não faz perecer os que não cometeram erros, isso já é bastante e, se salvar também os que fizeram bem seu trabalho, disse, grande será a gratidão devida aos deuses.”.
Depois de ter visto esse arranjo tão cuidadoso, Iscômaco disse à mulher que seria muita preguiça da parte deles não ter, em terra, tudo em perfeito estado: “se os que estão em cargueiros, mesmo pequenos encontram lugar para seus pertences e, ainda que sejam sacudidos violentamente, apesar de tudo mantêm a ordem, conseguindo, mesmo muito aterrorizados, apanhar o necessário e nós, de nosso lado, ainda que, em nossa casa, haja grandes depósitos destinados a cada tipo de coisas, que nossa casa esteja em chão firme, não achássemos um lugar bom e acessível para cada coisa. Isso não seria uma grande estupidez de nossa parte?”. Que cada coisa tenha seu lugar adequadamente determinado.
Calçados, vestes, guarnições de mesa, livros: “Como é bom que o conjunto de utensílios fique em ordem e como é fácil encontrar na casa um espaço para acomodá-los como convém.”.
E, concluindo que os objetos, dispostos ordenadamente, parecem mais belos, reitera: “Afirmo ainda – e disso rirá, não o homem austero, mas o pedante – que até panelas parecem algo harmonioso quando arrumadas com bom gosto!”.
Mesmo que desprovida de maiores requintes, ao se adentrar numa casa onde reina a ordem e o comedimento, evitando-se o desperdício, nota-se que “os aposentos são planejados para serem como que recipientes muito bem adequados para o que aí deve ficar de forma que, por si mesmos, reclamem o que convém pôr aí.”. Cuidados de uma atenta guardiã do lar, ciente e ciosa da relevância de seu trabalho para o bem estar de toda família.
Parcimônia como critério; discernimento quanto à funcionalidade e bom gosto na escolha dos móveis e objetos, asseio, limpeza, além do bom aroma que os pratos exalam, são convidativos. Bons tecidos nos aconchegantes aposentos de banho e de descanso aprazem o corpo, deleitam a Alma. Riqueza, pois tiramos bom proveito disso.
Dedico esse artigo à primorosa Costanza Pascolato, que em suas obras "O essencial" e "Confidencial" muito nos ensina sobre elegância, bom gosto e economia no trato com nosso corpo, com nossas vestes e acessórios.
Dedico esse artigo à primorosa Costanza Pascolato, que em suas obras "O essencial" e "Confidencial" muito nos ensina sobre elegância, bom gosto e economia no trato com nosso corpo, com nossas vestes e acessórios.
E também à sua primogênita, a querida amiga, Consuelo Susan Blocker, que em seu www.consueloblog.com, prossegue nessas preciosas lições de moda, estilo e afins.